Criar perfis de bebês em redes sociais pode ser prejudicial ao desenvolvimento da criança

Criar perfis de bebês em redes sociais pode ser prejudicial ao desenvolvimento da criança

Especialistas dizem que a cobrança em como agir e se portar começa muito cedo e alertam que há punições para pais ou responsáveis que não proporcionem ambiente saudável

De acordo com o relatório Digital 2024, da agência de comunicação We Are Global, o Brasil está em segundo lugar no tempo gasto em redes sociais, com uma média de 9h13 semanais, logo atrás da África do Sul, com 9h24.
 

São várias as razões que fazem os brasileiros dedicarem bastante tempo às redes sociais. E a criatividade tem a ver com isso. Há influenciadores, por exemplo, que criam perfis para seus filhos, inclusive antes mesmo de nascerem, transformando-os em influenciadores mirins, ou melhor, influenciadores intrauterinos. No entanto, muitos pais ou responsáveis não pensam no impacto negativo que a exposição dessas crianças, especialmente daqueles expostos desde o útero, pode ter no desenvolvimento enquanto pessoa.
 

Uma das figuras que se destacam em criar conteúdo a partir do crescimento dos filhos é a atriz e influenciadora digital Viih Tube, que conta com mais de 30 milhões de seguidores em suas redes e mantém parceria com grandes marcas de beleza e cuidado pessoal. Junto com seu companheiro, a influencer criou uma marca de roupas e acessórios infantis depois do nascimento de sua primeira filha, usando-a como garota propaganda. Segundo Viih Tube, a marca faturou R$ 17 milhões em 2023. Grávida de seu segundo filho, a influenciadora criou uma conta para o feto no Instagram, que já conta com mais de 150 mil seguidores.  
 

Impactos físicos e emocionais 

 

Para Sérgio Kodato, professor de Psicologia Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, a superexposição às redes sociais pode gerar problemas de autoestima. “A autoimagem e o autoconceito podem ser fortemente influenciados pelo feedback das redes sociais, tornando-as mais vulneráveis às críticas e rejeições.”

 

Segundo informações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), além dos impactos psicológicos, como ansiedade, depressão e dependência, o uso ou exposição excessiva das redes sociais para crianças pode gerar problemas físicos, como transtornos de sono e alimentação, sedentarismo e problemas posturais. 

 

Segundo o psicólogo Washington Barbosa, especialista em Psicologia infantil e familiar, essa exposição pode atrapalhar a construção da personalidade da criança. “Um dos maiores problemas disso é a pressão entre as crianças serem quem elas são ou serem as expectativas que foram depositadas nelas. Como ela foi exposta desde antes do nascimento, essa criança já possui todo um processo de cobrança em como agir e se portar”, analisa.

 

Medidas legais 
 

De acordo com o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), toda criança e adolescente tem o direito inviolável à integridade física, psíquica e moral, o que inclui a preservação da imagem, identidade e intimidade. Além do ECA, a Constituição Federal afirma em seu artigo 227 que é dever da família, da sociedade e do Estado a garantia à dignidade, respeito e convivência familiar e social a todas as crianças e adolescentes do País. 

 

Segundo o mestrando na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Victor Barlow, caso os pais ou responsáveis não proporcionem essas garantias legais às crianças e adolescentes, eles podem ser processados. “É possível processar os pais ou responsáveis por uso indevido de imagem, mas para isso a criança ou adolescente deve ser representada legalmente por um tutor legal ou um dos responsáveis que não estejam envolvidos na exposição de imagem.” 
 

No caso de perfis criados para fetos, apesar de serem reconhecidos como sujeitos de direitos pelo Código Civil, o direito à imagem e privacidade não tem normas de proteção específicas para eles. “No Brasil, a proteção dos direitos dos fetos está prevista na legislação, especialmente no Código Civil, que reconhece o feto como sujeito de direitos desde a concepção, embora ainda não nascido. O direito à imagem e à privacidade, contudo, não é especificamente detalhado para fetos na legislação atual”, afirma Barlow.
 

Todavia, apesar de haver sanções para aqueles que exponham de maneira indevida crianças ou adolescentes em redes sociais, a participação de menores em publicidades é legalizada. “No caso de crianças e adolescentes, qualquer uso de imagem para fins comerciais deve estar de acordo com o ECA, que protege contra exploração e garante o respeito à integridade física, psíquica e moral. Todavia, monetizar um perfil de um feto pode ser considerado inadequado e potencialmente arriscado legalmente.” 
 

Superexposição não é exclusiva de influenciadores 
 

Além da influenciadora Viih Tube, outros famosos adotaram a ideia de criarem perfis nas redes sociais para seus filhos. O influenciador e humorista Júlio Cocielo e sua esposa, a influenciadora digital e empresária Tata Estaniecki, administram o perfil de seus dois filhos, que contam, somados, com mais de 2,5 milhões de seguidores no Instagram. 

 

O debate sobre a superexposição de fetos, crianças e adolescentes na mídia é antigo. “Apesar de estarmos falando de influenciadores, os famosos e a própria família real britânica já lidavam com essa superexposição. A diferença é que hoje fazem por escolha”, conclui Barbosa. 


*Reprodução Jornal USP Ribeirão Preto 


Foto: Freepik (Imagem gerada por IA)

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