Política instagramável: redes sociais se tornam principal campo de disputa política em Ribeirão Preto
Políticos tradicionais, criados no rádio, precisaram se adaptar à linguagem concisa e rápida da internet

Política instagramável: redes sociais se tornam principal campo de disputa política em Ribeirão Preto

Em Ribeirão Preto, a política se adapta à era digital, com memes e cortes como principais estratégias de comunicação entre os políticos e a população

Tripés, estabilizadores, microfones de lapela e celulares. Essas têm sido as ferramentas de trabalho mais comuns vistas pelos gabinetes e corredores da Câmara Municipal dos Vereadores de Ribeirão Preto. A esfera pública das redes sociais se tornou o principal campo de batalha política, onde reputações são construídas e destruídas na velocidade de um clique.

 

O livro “O cajado de mentor: mídia, eleições e coronelismo eletrônico no Brasil”, de Reinaldo dos Santos e Maria de Lourdes dos Santos, analisa a evolução da política em Ribeirão Preto, dividindo-a em três fases: a República dos Coronéis (1890-1932), dominada por fazendeiros e militares; a República dos Bacharéis, quando filhos da elite cafeeira, formados na capital ou no exterior, assumiram o poder; e a República dos Locutores, em que jornalistas e comunicadores passaram a ocupar cargos políticos, especialmente a partir dos anos 1980.

 

Talvez, falte para o livro uma atualização: a República dos Influenceres ou a Política Instagramável poderia descrever melhor o momento da política local e nacional. Se, antes, a voz aveludada que narrava as notícias no rádio era sinônimo de credibilidade, hoje, um perfil com muitos seguidores e uma linguagem que se adeque a essa mídia pode ser o diferencial. Cada meio de comunicação, entretanto, tem a sua própria gramática. "Não adianta ser um político analógico e migrar para o digital com a mesma linguagem. As redes sociais possuem uma linguagem própria", alerta o cientista político Luiz Rufino.

 

A mensagem foi entendida por muitos políticos tradicionais que precisaram se render à estética dos memes e dos cortes rápidos. Melhor para quem já nasceu nesse ambiente. Roger Ronan da Silva, o vereador Bigodini (MDB), exibe em sua bio no Instagram o título de "primeiro vereador eleito em Ribeirão Preto através das redes sociais". Com 276 mil seguidores, Bigodini é a figura política local com mais seguidores no Instagram. Seu público é superior ao do perfil oficial da prefeitura (100 mil), do prefeito Ricardo Silva (102 mil) e do deputado federal Baleia Rossi (50 mil). O barbeiro, que criou um perfil para divulgar seu trabalho e compartilhar memes sobre a cidade, viu seu alcance crescer de forma vertiginosa.

 

Para Bigoni, a linguagem simples e bem humorada é uma forma para romper a barreira entre o parlamentar e a população. “As pessoas querem se conectar com quem é de verdade. Políticos que não entendem a linguagem das redes sociais ou o perfil do seu eleitor acabam cometendo erros ao transmitir suas mensagens. Isso pode ocorrer quando o discurso é excessivamente formal ou distante dos interesses do público digital, o que pode gerar uma desconexão e afetar negativamente a percepção do eleitor. No meu caso, o humor sempre foi uma ponte direta com as pessoas da minha cidade”, explica.

 

Contudo, o vereador ressalta que o humor não é apenas uma ferramenta de engajamento. “Ao manter esse estilo, consigo mostrar o trabalho que tenho feito de uma forma que as pessoas se interessam e entendem. Se eu mudasse totalmente para um perfil tradicional e político, perderia essa ponte direta com a comunidade e, com isso, a oportunidade de apresentar as melhorias que estou promovendo”, argumenta Bigodini.

 


O vereador Bigodini exibe em sua bio no Instagram o título de "primeiro vereador eleito em Ribeirão Preto através das redes sociais".

 

TRADIÇÃO E REVOLUÇÃO

 

Apesar da presença das redes sociais no debate público, o rádio não perdeu totalmente a sua influência. Uma pesquisa da Kantar IBOPE Media, de 2024, apontou que o rádio ainda faz parte do cotidiano 79% da população brasileira. A pesquisa foi realizada em 13 regiões metropolitanas.

 

"O rádio e as redes sociais atingem segmentos diferentes. Embora ambos sejam meios de comunicação de massa, o rádio atinge, principalmente, a população que ganha menos do que dois salários mínimos, enquanto as redes sociais são consumidas por pessoas acima dessa faixa. Portanto, na estratégia dos candidatos, essas mídias não são excludentes, mas complementares", avalia Rufino. Combinar às mídias tradicionais com o poder viral das redes sociais é uma boa estratégia para furar bolhas e atingir um público massivo.

 

Danilo Scocchi (MDB) foi o vereador mais votado nas eleições municipais de 2024, com 12.296 votos. Vindo da TV, o parlamentar também dedicou uma atenção especial às redes. Scochi defende que a boa comunicação é aquela que consegue ser objetiva e atingir seu papel informativo. “Cada um pode usar a linguagem que se sentir confortável, focando para que a mensagem chegue correta ao seu público. O maior cuidado deve ser com os exageros, e pensar sempre em uma comunicação com menor ruído possível. O político precisa ter bom senso, e o entendimento do assunto que está tratando, para saber quais ferramentas vão ser adequadas, ou não, para se comunicar melhor”, comenta.

 


O vereador Danilo Scochi soube transportar seu prestígio da TV nas redes sociais

 

O campo do ativismo político e da militância em apoio às minorias nas redes sociais está representado por Duda Hidalgo (PT), terceira vereadora mais votada nas últimas eleições, com 8.651 votos. Nas redes sociais, a parlamentar acumula 34 mil seguidores que a acompanham desde os tempos de ativismo na universidade. Duda pondera que há espaço para diferentes modos de fazer política.

 

“A rede social chegou para ficar, mas, mesmo em tempos de Internet, nada substitui o olho no olho. Toda pessoa que busca ter uma vida pública, particularmente na política, mesmo tendo como seu grande eixo de atuação as redes sociais, não pode deixar de ir para a rua e de ter contato direto com a população. Isso jamais será superado”, defende a parlamentar, ressaltando o uso responsável dessa mídia. “Como toda ferramenta, possui benefícios e malefícios. Nos últimos anos, temos presenciado o aumento de discursos falsos e extremistas, cuja rápida propagação só é possível graças às redes sociais. Defendo o uso da rede de forma responsável, combatendo fake news e com foco em propagar trabalho sério, e não sendo utilizada para gerar ódio e discórdia na sociedade”, ressalta.

 


“Defendo o uso da rede de forma responsável, combatendo fake news e com foco em propagar trabalho sério”, ressalta a vereadora Duda Hidalgo

 

POPULISMO?

 

João Flávio de Almeida, coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da Unaerp e doutor em discurso imagético pela USP, avalia que o termo “populismo” – no qual líderes buscam representar a "voz do povo", frequentemente utilizando discursos emocionais com soluções simplistas –, nem sempre é pejorativo. “Tivemos Ghandi e Mandela que foram líderes populistas”, exemplifica.

 

Segundo ele, a sociedade ainda não está completamente preparada para líderes racionais e lógicos, o que dá espaço para o populismo, que se alimenta de emoções e mitos sociais. Nesse contexto, as redes sociais desempenham uma função potencializadora, conectando essas figuras a grandes massas.

 

“A presença digital tornou-se um capital simbólico. Nas artes ou no mundo do trabalho, sai na frente quem tem mais seguidores. Virou uma moeda do nosso tempo”, explica Almeida, observando que, embora políticos populistas possam falhar em suas propostas, eles sabem como lidar com o público e com a desinformação, retornando com respostas simples e rasas – muitas vezes no formato de “cortes” –, que continuam a garantir seu apoio.

 

SEGUIDORES

 

Bigodini (MDB): 276 mil

Danilo Scochi (MDB): 39,7 mil

Duda Hidalgo (PT): 34,8 mil

Junin Dêdê (PL): 26,5 mil

Igor Oliveira (MDB): 23,9 mil

Isaac Antunes (PL): 23,3 mil

Delegado Martinez (MDB): 18,7 mil

Lincoln Fernandes (PL): 18,4 mil

Jean Corauci (PSD): 16,8 mil

Maurício Gasparini (União): 16,4 mil

André Rodini (Novo): 15,9 mil

Daniel Gobbi (PP): 11,5 mil

Rangel Scandiuzzi (PSD): 7,6 mil

Perla Muller (PT): 7,3 mil

Brando Veiga (Rep): 6,7 mil

Judeti Zilli (PT): 4,6 mil

Franco Ferro (PP): 4,2 mil

Matheus Moreno (MDB): 3,9 mil

Daniel do Busão (PL): 3,1 mil

Paulo Modas (PSD): 1,8 mil

Maurício Vila Abranches (PSDB): 1,5 mil

Diácono Ramos (União): 1,4 mil

 

*Seguidores no Instagram


Foto: Câmara Municipal de Ribeirão Preto

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