Forte, sem perder a ternura
Elmara Bonini ladeada pelas filhas Alícia e Priscila em noite de celebração

Forte, sem perder a ternura

A trajetória de Elmara Bonini, de criança levada na pequena Batatais a reitora responsável por tornar a Unaerp uma das maiores e mais prestigiadas universidades do interior paulista

Elmara Lucia de Oliveira Bonini nasceu capricorniana de 2 de janeiro, com muitos motivos para sentir-se especial. Era a caçula e única menina entre os filhos dos descendentes de italianos Electro Bonini (1913-2011) e Maria Aparecida de Oliveira Bonini (1921-2001). Até onde se lembra, viveu uma infância “adorável” na pequena Batatais da década de 1940 – município a 44 km de Ribeirão Preto e a 354 km da capital paulista. Cresceu criança levada, daquelas que subiam na bicicleta – presenteada pelos pais – e sumiam com os amigos em reinações pela cidadezinha pacata. “Eu adorava Batatais porque tinha toda essa liberdade e amigos”, lembra a hoje decana. “Só tenho boas lembranças dessa época”, acrescenta.
 

Enquanto os irmãos Electro Humberto, Evandro Alberto e Eduardo Roberto de Oliveira Bonini eram muito apegados à mãe, dona Cidinha, a pequena Elmara cresceu mais ligada ao pai, Electro, a quem acompanhava em tudo o que fazia. E ele não fazia pouco. Professor de classes infantis desde os 21 anos, ingressou, depois de casado, no Curso Normal da Associação de Ensino de Ribeirão, e já era pai quando, em 1939, iniciou a faculdade de Odontologia na mesma AERP. Conquistado pela carreira pedagógica, não deixou de lecionar nem quando abriu consultório dentário próprio em Batatais.
 

Seja por herança ou assimilação, Elmara chegou tal e qual inquieta à adolescência, o que levou o pai a matriculá-la em três escolas, cursadas simultaneamente, após concluir o Ensino Fundamental (chamado de primeiro grau à época). Ela recorda com indisfarçado carinho que era levada à escola noturna na rabeira da lambreta de Electro. “Eu fazia Normal no Colégio Auxiliadora, Escola Técnica de Comércio em Batatais, à noite, onde meu pai era diretor, e fiz Clássico no Colégio Silvio de Almeida, em Batatais também. Isso pra eu ficar mais quieta”, diz divertida, como se não desconfiasse que o pai já reconhecia nela o mesmo potencial multitarefa que o caracterizava.
 

A adolescente Elmara ainda concluía todos esses cursos quando, em dezembro de 1959, Electro Bonini fez o movimento que mudaria suas vidas e o cenário educacional do interior paulista para sempre: tornou-se associado da AERP e, com isso assumiu o Colégio Duque de Caxias e a Escola Técnica de Química, integrantes da Associação, abandonando a Odontologia pelo ensino e mudando-se com a família para Ribeirão Preto.
 

Mal concluiu o Ensino Médio (segundo grau à época) e Elmara já começou a ajudar os pais, que assumiram juntos a administração da Associação – ele na direção, dona Cidinha como tesoureira. “Eu ajudava a arrumar a escola para a entrada do pessoal. Deixava tudo em ordem. Depois fui também ajudar no Colégio Progresso, na [rua] Tibiriçá, em frente ao palácio do arcebispo. Então fui me envolvendo com a Associação de Ensino”, conta. Também continuou estudando, visando uma carreira no ensino, como o pai.
 

Por aquela época, os Bonini foram abalados pela morte prematura de Electro Humberto, o mais velho, que cursava o Segundo Grau em São Carlos com o objetivo de ingressar no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). “Ele teria entrado. Era muito inteligente, o primeiro aluno da classe. Quando morreu, ficamos todos ainda mais próximos”, lembra Elmara, que se orgulha da união que sempre prevaleceu na dinâmica familiar.

 

Equilibrando papéis
 

Se na juventude o pai foi o modelo a influenciar o caráter da menina Elmara, a entrada na vida adulta trouxe identificação dela com a mãe. “Eu era a única filha mulher numa época em que a mulher não tinha esse espaço de formação profissional, mas minha mãe já trabalhava fora e era muito avançada para a época. Isso foi passando para mim também, que fui assumindo um papel profissional”, afirma hoje.
 

A experiência feliz de família talvez explique o fato de Elmara ter se casado cedo, aos 18 anos, com Ricardo Christiano Ribeiro. Formado em Direito, ele já privava do convívio dos Bonini muito antes de tornar-se namorado da caçula, pois era amigo pessoal dos irmãos. Após entrar oficialmente para a família, passou a se ocupar também com a AERP, trabalhando ao lado do sogro.
 

Jamais ocorreu ao casal a ideia de Elmara renunciar a estudos e trabalho para dedicar-se exclusivamente à família, mesmo quando a prole começou a chegar. Nem quando ela começou a sentir o peso de ter que multiplicar-se em vários papéis. Contou com muita ajuda, é verdade, principalmente da colega de infância Regina, que se tornou uma funcionária pessoal que morava no emprego, mas ainda assim foi difícil. “Eu nem sei como dava conta de tudo. Prestei o vestibular para o Serviço Social que o papai tinha criado na AERP, então eu estudava e o acompanhava em tudo, e não só na Associação, mas nas reuniões no Conselho Federal e para todo lugar”, lembra.
 

A partir da década de 1960, após conclusão da graduação em Serviço Social, Elmara passou a conciliar trabalho, cursos de aperfeiçoamento e especializações com o nascimento e criação das cinco filhas que teve no seu primeiro casamento – Christiana Helena Bonini Ribeiro Sciência, Priscilla Maria Bonini Ribeiro Sampaio, Alícia Maria Bonini Ribeiro, Lara Lúcia Bonini Ribeiro e Carolina Bonini Ribeiro.

 

Expansão
 

Na década de 1970, Elmara começou a liderar as transformações acadêmicas que levariam a AERP à condição de universidade, sendo uma delas a substituição do sistema de faculdades isoladas pelo de Federação de Ensino, baseado no modelo Centros de Saber. Foram formados os departamentos aglutinados por área de saber, que deram origem à União da Associação de Ensino de Ribeirão Preto (Unaerp), nome homologado pelo Ministério da Educação em maio de 1972.
 

Em 1973, Elmara assumiu a direção da Unaerp, que até o início dos anos 1980 ganharia os cursos de Educação Física, Comunicação Social – com habilitações em Relações Públicas, Publicidade e Propaganda e Jornalismo (o primeiro do interior de São Paulo) –, Música e Artes Plásticas. Concluiu o mestrado em Ciências Sociais, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, no mesmo ano em que o Conselho Federal de Educação reconheceu a Instituição como Universidade de Ribeirão Preto: 1985.
 

Elmara tornou-se a primeira reitora. “Nessa época eu já era diretora, já tinha feito meu mestrado lá em São Paulo e ia pra lá levando uma equipe de professores. Foi uma consequência natural do meu processo. Eu fui sendo preparada o tempo todo para aquela responsabilidade. Assumir a primeira reitoria da Universidade não pesou. Como eu acompanhava meu pai o tempo todo, eu ia ao Conselho Federal, ia a São Paulo, Brasília, tinha muitos relacionamentos lá, com educadores.  Aprendi muito com eles. Então isso foi tudo muito natural para mim”, afirma.
 

A partir de 1986, nos primeiros cinco anos da instalação da Universidade, a reitora implantou os primeiros cursos da área de saúde – Odontologia, Fisioterapia e Farmácia – e as clínicas de Fisioterapia e Odontologia, além de Engenharia Química e Análise de Sistemas. No final daqueles anos 1980, ela começou também a ampliar sua atuação no cenário educacional para além da universidade. De 1989 a 1992, por exemplo, cumpriu mandato integral como secretária municipal da Educação de Ribeirão Preto, além de ter assumido outros cargos em entidades representativas de instituições de ensino [leia mais a respeito no box “Atuação Reconhecida”].
 

A partir de 1990, sob sua gestão, a Unaerp protagonizou uma forte expansão das graduações em Saúde, Humanas e Exatas. Elmara, casada com Valdemar Corauci Sobrinho desde 1991, lidera investimentos em projetos de pesquisas, abertura de clínicas e laboratórios de estudo e a ampliação da prestação de serviços à comunidade. Todo esse avanço culminou na implantação do curso de Medicina, em 1997, e na fundação do Campus Guarujá, em 1999. Nas expansões ocorridas a partir dos anos 2000, Elmara fez questão de homenagear os pais, que reconhece como impulsionadores de sua trajetória e modelos de trabalho e ideais. O hospital inaugurado em 2003, no campus, recebeu o nome de Electro Bonini. Sua mãe daria nome à Maternidade Cidinha Bonini, inaugurada em 2014.

 

Transição

O envolvimento e trabalho em várias frentes – todas ligadas à Educação – não impedia Elmara de pensar também no futuro, da família e da instituição que os pais lhe legaram. Conforme suas filhas cresciam, procurava, a exemplo do que seus pais fizeram com ela, interessá-las pelo trabalho na educação, por meio da AERP, mantenedora da Universidade. “Eu me apaixonei pela causa da educação desde muito cedo e passei a vida trabalhando e estudando. Dediquei minha vida a isso. Meu pai e minha mãe também se dedicaram a isso. O Ricardo, pai das minhas filhas, também trabalhou com educação, pois passou a trabalhar com meu pai. Quer dizer, isso as contagiou. Não todas com a mesma intensidade, mas, de alguma forma, todas estiveram ou ainda estão atuando na universidade”, orgulha-se.
 

A partir da segunda década do século 21, já pensando na gestão da Unaerp para o futuro, Elmara passa a nutrir a ideia de profissionalizar completamente a gestão superior da Universidade. A Instituição de Ensino Superior (IES) já contava com alguns diretores e todos os coordenadores de ensino e de setores administrativos promovidos internamente, ou contratados fora do âmbito familiar. Em 2021, afasta-se do comando da instituição.
 

Nessa transição, o cargo de reitora foi assumido pela professora e pesquisadora Suzelei de Castro França. A etapa final da implantação dessa política de gestão e governança deu-se neste primeiro quadrimestre de 2024, com a nomeação para a reitoria do professor doutor Sebastião Sérgio da Silveira, formado e com longa carreira acadêmica na Instituição, além de ser promotor de Justiça aposentado.
 

Elmara confessa ter sido uma decisão difícil, mas que precisava ser tomada. “Eu já tinha planos de deixar a reitoria e realmente profissionalizar a gestão da Universidade. Eu acho que a Instituição tinha que ter a participação da família na gestão, mas que em dado momento a Universidade teria que seguir, se perpetuar, independente da família. Eu sempre pensei no que seria melhor para a Universidade”, afirma a educadora, que continua como mantenedora, vinculada à AERP. “Espero que ela siga sua trajetória construída até aqui”.

 

Realizada e com as marcas naturais da vida
 

A parte boa – e surpreendente – é que, ao longo de sua jornada, Elmara nunca se sentiu vítima de discriminação ou preconceito pelo fato de ser mulher numa posição de liderança. “Já me perguntaram isso muitas vezes, mas eu nunca senti. Não sei por quê. Como eu fui criada no meio de três homens, nunca tive esse problema de me sentir diferente ou diminuída por ser mulher. E também porque minha mãe trabalhava, acompanhava meu pai e eu também acompanhei desde muito cedo, na minha família não tinha essa diferença”, garante.
 

Talvez por nunca ter se sentido menosprezada pelo gênero é que Elmara seja descrita como uma líder capaz de conjugar força, poder e determinação com sensibilidade, paixão e feminilidade. Questionada sobre o segredo para manter-se forte, “mas sem perder a ternura”, simplifica: “eu tive cinco filhas, só mulheres, e lutei para tê-las. Eu quis uma família grande. Acho que esse lado materno meu pode ter ajudado a conciliar essas características. Acho que deve ter sido mais difícil para quem foi casado comigo [risos]”.
 

Do alto de uma carreira bem-sucedida, Elmara considera o reconhecimento da instituição como universidade o ponto alto de sua vida profissional coroada de êxitos. “Eu lutei muito para isso. E na minha vida pessoal, a maior conquista foram minhas cinco filhas, sem dúvida nenhuma!”, declara.
 

Diz que não mudaria nada do que viveu, realizou ou sofreu. “Sou uma mulher realizada. Dois casamentos, cinco filhas, uma universidade centenária a que me dediquei praticamente a vida inteira. Só posso me sentir realizada”, conclui.

 

Atuação reconhecida
 

No comando da AERP e da Unaerp, Elmara Lucia de Oliveira Bonini pode se orgulhar de ter levado o projeto dos pais muito além do que eles ousaram sonhar. Atualmente com dois campi, a Unaerp foi avaliada com Conceito 5 (nota máxima) no Processo de Recredenciamento da Universidade, realizado pela Comissão de Especialistas do MEC (Ministério de Educação e Cultura), em maio de 2023; Recebeu Conceito 4 (de excelência) no IGC MEC – que integra a principal avaliação de qualidade do ensino superior brasileiro – por 11 anos consecutivos, entre 2012 e 2022. Vinte e seis de seus cursos obtiveram Conceito 4 e três Conceito 5 do Enade/CPC MEC nos ciclos avaliativos de 2019, 2021 e 2022. A Unaerp ainda foi considerada a 5ª melhor universidade particular do estado de São Paulo e 10ª entre as instituições públicas e particulares no IGC 2022. Integrada à comunidade regional, sua Rede de Serviços à Comunidade realiza mais de 450 mil atendimentos anuais por meio de programas de extensão, graças ao investimento permanente em laboratórios de última geração, formação de docentes e pessoal técnico qualificado e sistemas de infraestrutura física.
 

A enorme capacidade de trabalho, que levou a todos esses resultados, valeram a Elmara vários cargos de poder no cenário da Educação e importantes homenagens ao longo das últimas décadas. Foi membro do Diretório Executivo do CRUB (Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras), representante da ANUP (Associação Nacional das Universidades Particulares) e conselheira no Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo, eleita duas vezes para a presidência da Câmara do Ensino de Terceiro Grau – estes entre o final da década de 1980 e início dos anos 1990.
 

Posteriormente, ocupou os cargos de vice e presidente da Fundação Fernando Eduardo Lee (1996 a 2007); de membro do Conselho da Presidência da ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, de 1995 a 1998); diretora do segmento Universidade do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo); e membro da Academia Ribeirão-pretana de Educação.
 

Já as homenagens incluem o título de “Doctor Honoris Causa” pela Universidade de Ribeirão Preto (2024) e pelo Consejo Iberoamericano em Honor a La Calidad Educativa (2006); de Cidadã de Ribeirão Preto (2001), de São Simão (2007) e de Pontal (2012); presidente da Associação de Ensino de Ribeirão Preto (2011 a 2021); além de ter recebido a medalha de ouro do Mérito Judiciário da Justiça do Trabalho da 15° Região do Estado de São Paulo (2001).

 

 


Foto: Luan Porto

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