O meio ambiente no centro do debate
Pau Brasil: formação em Educação Ambiental é urgente

O meio ambiente no centro do debate

Se ainda não estão em pauta na vida cotidiana das pessoas, as questões ambientais, certamente, encabeçarão a lista de preocupações da sociedade nos próximos anos

Além de ser o mês do aniversário de Ribeirão Preto, junho também contempla o Dia Mundial do Meio Ambiente — data criada pela ONU em 5 de junho de 1972 — e a campanha Junho Verde, criada em 2022 através da Lei 14.393, para promover a conscientização sobre a preservação dos recursos naturais.

 

Termina aí, no calendário, a relação de proximidade entre a cidade e o meio ambiente, segundo especialistas da área. Para eles, ao longo de seus 168 anos, Ribeirão Preto sempre priorizou o desenvolvimento econômico, não poupando recursos naturais ou se ocupando com um Planejamento Ambiental, para equilibrar a expansão urbana com a preservação; fez “vista grossa” para a temática do cuidado com a natureza e segue, há décadas, sem efetiva solução para velhos problemas, como a manutenção do Aquífero Guarani, o déficit arbóreo, a reciclagem do lixo e a Educação Ambiental, entre outros.

 

A constatação parte de autoridades no assunto como o professor do Programa de Pós-graduação em Sustentabilidade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH–USP), Marcelo Pereira de Souza, também presidente da Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil; a promotora de Justiça do Gaema (Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente) de Ribeirão Preto, Cláudia Maria Lico Habib Tofano; e pessoas atualizadas sobre o tema como o presidente do Instituto Ribeirão 2030, arquiteto e urbanista Silvio Contart, e o vereador Marcos Papa, que no início do mês afirmou que Ribeirão Preto não tinha o que comemorar na Semana do Meio Ambiente. “O Dia Mundial, para nós, é uma data de reflexão e tomada de decisão, mas não de celebração, em razão do desprezo pelas questões ambientais. A Prefeitura precisa correr contra o tempo e investir em projetos e programas que visem resiliência, sustentabilidade, verdejamento, mobilidade ativa e de baixa emissão, gestão sustentável da água e cidade lixo zero”, declarou.

 

Integrantes da Pau Brasil do mais alto nível técnico, segundo seu presidente, não conseguem apontar nenhum avanço significativo e sistêmico na área ambiental na cidade. “Que tristeza! A gente ri de decepção, porque o que se verifica são ações isoladas, pontos pálidos, nenhuma atuação sistêmica, estrutural e planejada, nada que mereça destaque. A política ambiental que existe é a do desmonte e da não participação popular, infelizmente. A atrofia da sociedade, a completa ausência de integração das políticas e a falta de educação formal e não formal são pontos críticos na área ambiental. É bastante decepcionante não conseguirmos trabalhar em conjunto com o poder público”, enfatiza Marcelo.

 

Dentro das 30 metas apontadas no Plano de Cidades do Instituto Ribeirão 2030 – pensando no desenvolvimento sustentável por uma década –, quatro são voltadas ao meio ambiente: o avanço no saneamento básico, a arborização das áreas urbanas, a viabilização de resiliência climática e o incentivo a práticas sustentáveis. “Também já fizeram parte dos nossos debates a drenagem urbana e prevenção de enchentes, a manutenção e ampliação de espaços verdes, o manejo de resíduos sólidos, lixo e coleta seletiva, além do entulho da construção civil. Esses debates geram documentos enviados ao poder público com sugestões, entre elas, até a implantação de novas tecnologias, como aplicativos, que ajudem na fiscalização e engajamento popular. Sem atenção às questões climáticas e de preservação não poderemos ter desenvolvimento ambientalmente equilibrado”, afirma Silvio Contart.

 

Cláudia Tofano aponta como um caminho para as questões ambientais a formação de um tripé envolvendo poder público, instituições e sociedade. Como exemplo, menciona o grupo de trabalho constituído para a preservação da Mata de Santa Teresa — que completa este ano uma década sem grandes incêndios como o de 2014, que destruiu mais da metade da área de proteção ambiental. “Não tivemos mais porque foi feito um trabalho gigante de prevenção envolvendo não só o poder público, como a Fundação Florestal, que é gestora da área, e a sociedade. Isso mostra como dá certo quando todos se unem”, pontua a promotora.

 

Segundo ela, em 2020 ocorreram ataques na área – “digo que são ataques porque deliberadamente as pessoas ateavam fogo ali, não sabemos por qual razão” –, mas a organização de monitoramento, de preparação para combate ao foco de incêndio e de comunicação rápida foi exitosa e conseguiu debelar todos os focos. “Senão teríamos tido mais um incêndio na mesma proporção de 2014. Inclusive, tivemos na nossa região uma redução dos focos de incêndio superior a 90% por conta desse trabalho de organização”, comemora Cláudia.

Abastecimento

No topo da lista de preocupações ambientais pode-se destacar a questão do abastecimento. O desrespeito da cidade à sua fonte de água potável — o Aquífero Guarani — está registrado no último SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), divulgado em 2023, com database 2022, demonstrando que o consumo de água por habitante em Ribeirão Preto, por dia, já atinge 273 litros. O valor está acima do necessário, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), que calcula suficientes 110 litros para uma pessoa satisfazer suas necessidades diárias básicas.

 

Além disso, o índice de perda de água permanece alto na cidade. Em 2016, era de quase 62%. Em 2022, atingiu 43,62% devido à implantação do Programa de Gestão, Controle e Redução de Perdas, implantado em 2020, com a meta de reduzir as perdas em torno de 30%.

 

A pouca seriedade e eficiência na proteção da área de recarga do aquífero, importante reserva natural de água para futuras gerações, e no investimento em outra alternativa de abastecimento também preocupa os especialistas.

 

O alerta está aceso há anos. Em 2013, um estudo da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) demonstrou a necessidade de o município adotar um novo manancial, pois o aquífero não atendera à demanda por muito mais tempo, e recomendou o uso do rio Pardo, fonte utilizada por outras cidades da região metropolitana de Ribeirão Preto. Oito anos depois, em 2021, a Prefeitura Municipal anunciou a contratação de estudos ambientais, projeto de infraestrutura e análise da viabilidade de aproveitamento da água do rio Pardo para o abastecimento do município. Até hoje, o estudo encontra-se “em processo licitatório”, segundo o Saerp (Serviço de Água e Esgoto de Ribeirão Preto).

 

Em nota, o Saerp informa que a zona de recarga do Aquífero Guarani corresponde a quase 30% de sua extensão no município, localizada na região Leste, e que, segundo levantamentos, em alguns pontos vem ocorrendo o rebaixamento em torno de um metro por ano. Para garantir dados concretos para um planejamento adequado do sistema de abastecimento a longo prazo, além da preservação desse recurso natural, o Saerp diz estar está investindo mais de R$ 2 milhões no Estudo de Resiliência do Aquífero Guarani, que trará dados mais precisos sobre resiliência, tempo de recarga, idade da água, etc. “Ainda, para assegurar o abastecimento de qualidade a longo prazo, o que também foi notificado pela ANA [Agência Nacional de Água], buscamos um novo manancial para o sistema de abastecimento público de água em Ribeirão Preto. A Secretaria está investindo R$ 3 milhões no Projeto Básico do Uso das Águas do Rio Pardo, estudo que trará a viabilidade técnica, financeira, ambiental e de engenharia para a implantação de um novo sistema de água, complementando o existente”, diz a nota.

 

A construção de uma Estação de Tratamento de Água (ETA) no rio Pardo, em 2013, foi orçada em R$ 324,4 milhões.

 

“As pessoas tratam a água como um recurso inesgotável e não é. A água que consumimos hoje foi armazenada há milhares de anos e essa comunicação com os lençóis freáticos é muito lenta. Temos uma situação seríssima com esse rebaixamento, que torna mais onerosa a captação e traz maior risco de contaminação. É importante Ribeirão Preto pensar no uso também do rio Pardo para o abastecimento. Óbvio que essa água será tratada e chegará à população com todos os padrões de potabilidade, como ocorre com diversos municípios que são abastecidos por rios. A segurança hídrica é algo que o município precisa pensar a médio e longo prazo”, pontua a promotora do GAEMA.

 

Clima 

Também preocupantes, as alterações climáticas são outro ponto que, segundo os especialistas, não pode mais ser negligenciado. O Painel Intergovernamental sobre mudança do Clima (IPCC) projeta secas prolongadas e períodos de chuvas em desequilíbrio, mas há uma grande incógnita sobre a região de Ribeirão Preto, que tem suas chuvas muito relacionadas ao que acontece na Amazônia. "Se continuarmos levando na brincadeira, vamos sofrer com secas prolongadas, em função da falta de umidade, e consequentemente com um aumento no número de queimadas extremas", alerta Marcelo de Souza.

 

Além do problema das queimadas, a seca prolongada também impacta a qualidade do ar e, por consequeência, a saúde das pessoas, principalmente crianças e idosos. Dados da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) sobre parâmetros de qualidade do ar em Ribeirão Preto, registrados entre os anos de 2017 e 2022, apontam que o pior ano na questão de ozônio – problema relacionado principalmente à emissão de gases poluentes por atividades industriais – foi 2020. Na ocasião, 68,9% dos registros acusaram boa qualidade do ar; 22,4%, moderada; 8,2%, ruim; e 0,5%, muito ruim. Já na questão de material particulado, que são partículas inaláveis, o pior ano foi 2021, quando foram registrados 75,5% de registros de qualidade do ar boa, 17,3% de moderada, 4,3% de ruim e 2,9 de muito ruim. E com relação ao material particulado fino, foram registrados 76% de qualidade do ar boa, 17% de moderada, 4,3% de ruim e 3,2% de muito ruim.

 

“Os índices pioram principalmente entre os meses de julho e setembro, período de seca, onde temos na nossa região a colheita da cana-de-açúcar, e os ventos fazem o carreamento do material particulado da terra em direção à cidade. Outra situação, é a circulação de veículos, que emitem material particulado grosseiro, em função da queima de combustível. Muitos carros ainda não têm catalisador, que reduz essa emissão, e há também a ressuspensão de materiais do leito carroçável”, explica o engenheiro ambiental Otávio Okano, gerente da agência ambiental de Ribeirão Preto.

 

A temática engloba, também, a questão do déficit arbóreo de 50% de área verde em canteiros e calçadas, constatado em inventário feito pela Secretaria de Meio Ambiente e divulgado em 2022. O estudo aponta que 29 dos 58 subsetores urbanos possuem menos de 10% de suas áreas cobertas por árvores e identifica as regiões com mais e menos áreas verdes — a zona Sul aparece com melhor arborização, e a central como a mais deficitária —, o que demonstra o importante papel da obrigatoriedade para mudança de cenário. A Lei de Parcelamento e Uso de Solo, de 2007, exige arborização na execução de um loteamento, o que contribui com este diferencial demonstrado na zona Sul da cidade.

 

A prefeitura alega trabalhar na elaboração de um Plano Estratégico do Sistema de Áreas Verdes e Arborização Urbana, para o estabelecimento de prioridades, fixadas em um Plano Diretor de Plantio, e o planejamento dos recursos necessários para a arborização da cidade — Gestão e Manejo e Elaboração do Plano de Ação. Em nota, acrescenta que entre 2021 e 2023 foram plantadas aproximadamente 48 mil mudas na cidade, por voluntários reunidos em organizações locais, pela população ou em decorrência de Termos de Compromisso.

Lixo 

Outra problemática para a cidade é a destinação de resíduos. Atualmente, Ribeirão Preto produz, em média, 249,3 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos. Isso equivale a uma média de aproximadamente 683 ton/dia. Os resíduos da coleta convencional são encaminhados a aterro sanitário de Guatapará — que considerando a média diária atual tem vida útil projetada até 2040 —, enquanto os da coleta seletiva são destinados à cooperativa de reciclagem.

 

Em nota, a prefeitura esclarece que a coleta seletiva porta a porta, “após período de suspensão judicial”, teve a licitação concluída para a contratação do serviço com ampliação da coleta seletiva para 100% da cidade, estando o início da operação programado para o próximo dia 1º de julho.

 

Outro dilema é dos descartes irregulares. Atualmente, a prefeitura conta com seis ecopontos —  no Conjunto Habitacional Alexandre Balbo; no Jardim Centenário; no Jardim Santos Dumont; no Jardim das Palmeiras II; no Jardim Paiva e no Jardim São Fernando —, que coletam 70 toneladas/mês. A meta é chegar a 29 ecopontos.

 

Além disso, como município integrante do Consórcio de Municípios da Mogiana (CMM), Ribeirão Preto aguarda a conclusão um projeto que está sendo elaborado pelo próprio CMM, prevendo uma moderna rota tecnológica para o tratamento dos resíduos, em atendimento às metas do Plano Nacional De Resíduos Sólidos (Planares).

 

Cláudia Tofano alerta para a gravidade do descarte em pontos “viciados”. “Sejam resíduos domésticos, da construção civil ou outros — e agora estamos verificando sensivelmente o aumento de descarte de poda verde —, tudo isso é algo muito sério, porque acarreta enchentes e alagamentos no período das águas, podendo levar a transbordamento desse material para rodovias, causando situações de risco muito grande. No período da seca, torna-se material combustível, colocando em risco a vida e moradia das pessoas. E também pode gerar contaminação e trazer doenças. Poder público e população precisam atuar juntos na solução”, conclui a promotora.

Compartilhar: