Adeus a Rubens Francisco Lucchetti
Lucchetti em sua mesa de trabalho: gênio criativo

Adeus a Rubens Francisco Lucchetti

Um dos mais prolíficos autores brasileiros, cultuado internacionalmente por suas obras dos gêneros policial, suspense e terror, Rubens Francisco Lucchetti falece aos 94 anos

Na madrugada do último 4 de abril, apagou-se silenciosamente, em um quarto do Hospital Ribeirânia, em Ribeirão Preto, uma das mentes mais prolíficas da literatura e cinema brasileiros. Ficcionista, desenhista, articulista e roteirista de filmes, histórias em quadrinhos (HQs) e fotonovelas, Rubens Francisco Lucchetti faleceu aos 94 anos de idade, após semanas de luta pela vida.

Seu único filho, Marco Aurélio Lucchetti, contou que desde setembro do ano passado o ele vinha entrando e saindo de hospitais devido a variados problemas de saúde. Nas duas semanas anteriores, tratava um quadro de pneumonia no Hospital Ribeirânia. Já não falava e sua mobilidade vinha comprometida há semanas, segundo Marco, que se desdobrava para cuidar sozinho do pai, já que não têm outros familiares vivos.

Os 80 anos de dedicação à literatura não garantiram a Lucchetti estabilidade financeira suficiente para prover uma assistência adequada no final. Seu plano de saúde não cobria alguns dos exames e procedimentos demandados nos tratamentos, o que levou seu filho a iniciar campanhas nas redes sociais pedindo contribuições para ajudar a custeá-los. Recebeu ajuda de fãs e de personalidades do mundo artístico, admiradoras do trabalho reconhecidamente original do autor. Entre elas o cineasta Ivan Cardoso, diretor de quatro filmes roteirizados por Lucchetti e os atores Carlos Vereza, Nuno Leal Maia, Andréa Beltrão e Nicole Puzi.

 

Ainda produzia

De acordo com Marco Aurélio, antes das intercorrências começarem, Lucchetti seguia produtivo, trabalhando a seu lado. O filho era revisor oficial de seu trabalho desde 1995. A parceria teve início logo após Lucchetti se tratar de um problema cardíaco. Foi decidida em um bate-papo entre pai e filho, no qual o autor manifestou insatisfações com vários livros seus, publicados não exatamente como escrevera originalmente, por conta de cortes determinados pelas editoras.

O desabafo levou à decisão de relançá-los com ajustes, projeto que ganhou endosso da Editorial Corvo. “Passamos a gastar 2 horas de cada dia revisitando todos os seus livros. A gente se sentava, eu ia lendo em voz alta a obra e ele falando e anotando o que queria mexer. Seguindo esse processo, gastávamos uma média de seis meses para revisar cada obra”, conta Marco Aurélio. Ele calcula que, desde 2014, tenham sido lançadas mais de 50 obras, entre relançamentos de livros que ganharam ajustes do autor, e inéditos procedentes de rascunhos retomados ou escritos novos. “Foi o que manteve ele vivo”, declara Marco Aurélio.

Entre os trabalhos mais recentes está uma série de livros de suspense publicados pela Editorial Corvo, e outra intitulada Reminiscências, atualmente no volume 9, que relata fatos da vida pessoal e profissional de Lucchetti. Vinha dizendo, segundo Marco, que na atual editora encontrou o caminho para lançar suas obras da forma como sempre quis, ou seja, com as histórias originais totalmente preservadas. Também repetia muito que, apesar de ter escrito para vários segmentos, se pudesse voltar no tempo, se dedicaria somente à literatura. “Sempre foi sua grande paixão”, arremata Marco.

 

BIOGRAFIA

Lucchetti viveu dois longos períodos em Ribeirão Preto

Nascido em 29 de janeiro de 1930, em Santa Rita do Passa Quatro, Rubens Francisco Lucchetti mudou-se muito ao longo da vida, tendo passado dois longos período em Ribeirão Preto (de 1945 a 1966 e de 1982 a 1995). Foi a última cidade em que viveu antes de estabelecer-se em definitivo na pequena Jardinópolis, a 20 km. Também morou duas vezes na capital paulista (1933-1945 e 1966-1972) e uma na capital carioca (1972- 1982).

Paralelamente à intensa atividade literária e artística, Lucchetti exerceu as mais variadas profissões desde a adolescência, de almoxarife a chefe de escritório. Autodidata desde pequeno, frequentou a escola só até o quarto ano do Ensino Fundamental, o que não o impediu de tornar-se fã de literatura, especialmente dos gêneros policial e de suspense, que consumia desde em revistas do estilo pulp fiction [‘ficção barata’, em tradução livre do inglês], até em livros de contos do escritor norte-americano Edgard Allan Poe, passando por radionovelas.

Começou a trabalhar aos 13 anos, numa loja de autopeças. Com a mesma idade enviou à rádio Tupy uma história de sua autoria, que acabou transformada em radionovela por Octávio Gabus Mendes, seu primeiro padrinho profissional. A colaboração continuou até 1945, quando sua família se mudou para Ribeirão, onde tornou-se um agitador cultural ativo. Logo se tornou responsável pela programação de novelas da rádio PRA7, passando a escrever programas diários, como “O Grande Teatro de Aventuras”. De 1948 a 1963, colaborou em todos os jornais existentes na cidade – Diário da Manhã, A Tribuna, A Cidade, O Diário, Diário de Notícias e A Palavra – escrevendo folhetins, contos, poemas e textos sobre Cinema e Literatura, além de contos para a revista pulp X-9, publicada pelo jornal O Globo. Entre 1953 e 1962, foi proprietário da Monroe Auto Peças Ltda, à avenida Saudade. No mesmo período, participou da fundação do Clube de Cinema de Ribeirão Preto.

Casou-se na cidade, em 1957, com Teresa Pereira Lima (falecida em 2011).

Entre 1960 e 1962, em parceria com o artista plástico e cenógrafo Bassano Vaccarini, Lucchetti realizou uma série de filmes de animação (alguns foram pintados na própria película; outros filmados quadro a quadro) que projetaram Ribeirão nacional e internacionalmente. Por aqui ainda foi gerente do cine Centenário, que ficava numa das esquinas das ruas General Osório com Barão do Amazonas, no Centro, no ano de 1961.

A partir de 1960, começou a publicar na imprensa paulistana, para os jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Shopping News, entre outros. A partir de 1964, começou a escrever roteiros para HQs ilustradas por alguns dos maiores desenhistas do Brasil. No início, assinava suas obras com pseudônimos sugeridos por editores, como Theodore Field, Terence Gray, Mary Shelby, Peter L. Brady, Christine Gray, R. Bava, Isadora Highsmith, Helen Barton, Frank Luke, Brian Stockler e Vincent Lugosi.

Um de seus primeiros livros, “Noite Diabólica”, publicado em 1963, é considerado "o primeiro título de terror escrito no Brasil".

Ao longo da carreira, publicou 1.547 títulos sob encomenda, cerca de 100 por iniciativa própria, 300 HQs, 25 roteiros de filmes, centenas de programas de rádio e televisão e contos para revistas pulp. Ainda produziu novelas de bolso de horror, traduziu autores estrangeiros do gênero, criou dois reality shows (A Mansão dos 13 Condenados e Jogo das Palavras) e escreveu duas peças de teatro.

Em 1966, poucos meses após haver se mudado para a cidade de São Paulo, Lucchetti iniciou, com o cineasta José Mojica Marins, uma parceria que se estendeu por quase 20 roteiros de longas metragens e dois scripts para os programas de televisão “Além, Muito Além do Além” e “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”.

Em 1977, foi apresentado ao cineasta Ivan Cardoso, para quem escreveu os roteiros dos filmes “O Segredo da Múmia”, “As Sete Vampiras”, “O Escorpião Escarlate” e “Um Lobisomem na Amazônia”.

A partir de 1993, pegou carona na fama internacional conquistada pelos filmes que roteirizou para Mojica. Uma distribuidora americana comprou os direitos de dez produções do diretor e os lançou de uma vez só nos Estados Unidos. Resultado: foram vendidas cerca de 7 mil cópias em fitas VHS nos primeiros quatro anos. Foi assim que o personagem Zé do Caixão virou Coffin Joe e Lucchetti e Mojica tornaram-se, respectivamente, autor e diretor cults, festejados por fãs em todo o mundo.


Daniela Penha - História do Dia

Compartilhar: