Ribeirãopretano fala sobre seu amor pela escrita
Em entrevista, o autor fala sobre suas obra e a dificuldade de viver de cultura no Brasil
O ribeirão-pretano Edson Cardoso Júnior é formado em Cinema e trabalha no setor público da cidade. Além dos afazeres do dia a dia, Cardoso, como é conhecido, tem uma grande paixão: a escrita.
Escrever é o que ele mais ama fazer, independente se for obras da literatura ou cinema e usa seu dom para criar histórias. Cardoso afirma que são com as palavras que consegue se expressar da melhor maneira possível.
Sua primeira obra lançada, “O Vigor dos condenados - o último Mago Rei” (Chiado Editora, 2014), além do Brasil, chegou a Portugal, Angola e Cabo Verde, e também foi exposta na Feira do Livro de Lisboa em 2015.
O livro conta a história de Adhonai, que assume o reinado do país mais poderoso da Terra-dos-sem-Fim, Moth, após seu pai ser brutamente assassinado pelo país inimigo, Blafh. Adhonai sendo despreparado e inexperiente, precisa de ajuda para comandar o reino, porém o mago aliado mais brilhante reluta em assumir o seu lugar nessa guerra.
A obra integra uma trilogia, em que os fãs aguardam ansiosamente pelo segundo volume, não tem data para ser lançado, por falta de recursos financeiros.
Em entrevista, o autor conta um pouco sobre a trajetória da trilogia, de como concilia sua carreira e também das dificuldades de viver de cultura no Brasil. Confira:
Portal Revide - Fale um pouco sobre “O Vigor dos condenados – o último Mago Rei” e sobre suas continuações:
Cardoso Junior - “O Vigor dos Condenados” é sobre amor e vingança, sobre como os sentimentos podem destruir as pessoas, transformando-as em seres amargurados e sem esperança. Mas também é uma história sobre recomeço, sobre superação, sobre coragem. Eu costumo dizer que a trilogia está longe de ser a mais otimista das histórias, mas ela trata de seres humanos em sua mais pura forma. Talvez a mensagem mais poderosa dos livros é a de que nenhum de nós seja totalmente bom, nem totalmente mau. Somos humanos e cheios de erros. E a trilogia tem essa mensagem em sua formação.
Portal Revide - Quanto tempo você leva para escrever seus livros?
Cardoso Junior - O tempo depende muito. Se for contar a jornada que me levou a criar por completo a Terra-dos-sem-fim e a história do “Vigor”, o processo todo demorou 10 anos. Entretanto, escrever de fato leva em média um ano, um ano e meio. Porém existem as inúmeras revisões e os detalhes que se tornam relevantes ao longo do processo e vão sendo acrescentados. Quando se começa a escrever muito cedo (eu tinha 14 anos quando idealizei a trilogia), é natural que a maturidade vá lapidando a história pouco a pouco, a deixando inevitavelmente mais complexa, e melhor, espero. Todavia, outros livros levaram pouco menos de três meses para serem finalizados. Depende da complexidade da narrativa.
Portal Revide - De onde tira suas inspirações?
Cardoso Junior - O ser humano, e toda a sua complexidade, é meu maior instrumento de pesquisa e inspiração, mesmo em um mundo de fantasia. As pessoas me fascinam, e isso só é potencializado quando estou no meu trabalho como Agente de Saúde, lidando diretamente com a realidade de pessoas tão diferentes.
Portal Revide - Como é escrever sobre mundos que não fazem parte do real?
Cardoso Junior - É, sobretudo, uma maravilhosa válvula de escape. Escrever e criar um mundo seu em particular é um exercício divino. É o mais próximo do controle absoluto que se pode chegar e isso é, sem dúvidas, assustador. Somente quando se experimenta tanto “poder” nas mãos é que se descobre o real sentido da palavra responsabilidade. E o mais legal de tudo isso é poder se testar em diversas áreas, como a empatia, a compaixão e até mesmo a crueldade. É um enorme exercício de reflexão e com certeza me faz uma pessoa melhor, mais consciente.
Portal Revide - Você se inspirou em algum livro? Se sim, quais?
Cardoso Junior - Na forma de narrar, minha maior inspiração é a J. K. Rowling. Cresci, lendo a saga Harry Potter e a considero uma excelente contadora de histórias, sabendo dosar bem a carga dramática com os alívios cômicos, trazendo uma narrativa densa, mas sem ser insuportável, ou maçante. Porém, a temática da “fantasia medieval” veio por conta de “O Senhor dos Anéis”. São minhas duas obras favoritas da literatura internacional.
Portal Revide - Qual a maior dificuldade que você enfrenta para escrever?
Cardoso Junior - Acho que a maior dificuldade é o fato de não ter a certeza de que o livro irá para as prateleiras. Essa incerteza acaba me deixando um pouco desmotivado, com certa dor em terminar de escrever e não conseguir dividir com as pessoas as histórias desses personagens. Então, fico guardando-os para mim pelo máximo de tempo possível. Seria muito doloroso me despedir da Terra-dos-sem-fim apenas por vaidade, sem saber que ela continuará viva na mente dos leitores.
Portal Revide - Como funciona sua rotina de escrever?
Cardoso Junior - Atualmente escrevo apenas por inspiração. Sinto que preciso escrever determinada cena, ou continuar algum trabalho inacabado e então sento e escrevo. Geralmente no período da noite. É quando estou mais à vontade para escrever. A casa está tranquila, eu coloco um fone de ouvido tocando trilhas sonoras de filmes e me solto plenamente para narrar.
Portal Revide - Além da trilogia, você tem mais livros?
Cardoso Junior - Tenho sim. Eu devo ter mais de 30 projetos entre argumentos, livros em processo de criação, livros já começados e também roteiros de cinema, minha formação acadêmica. Recentemente divulguei nas redes sociais o livro “(IN)FELICIDADE”, que se encontra pronto e já até foi aprovado pela editora do “Vigor”, mas ainda não tive os meios necessários para lança-lo, e estou na dúvida se é de fato o momento certo para este livro vir à luz. Mas é uma boa história, bem diferente da trilogia. Inclusive, a maioria dos projetos segue uma linha bastante distinta. O “Vigor” é meu filho primogênito, a minha menina dos olhos. Mas eu amo escrever dramas contemporâneos para um público mais adulto. O futuro da minha escrita talvez seja esse.
Portal Revide - Como concilia seu trabalho com sua carreira de escritor?
Como eu disse anteriormente, eu escrevo à noite, e por puro prazer. Então, é bastante fácil conciliar. Saio às 16hs do trabalho e sobra bastante tempo para me dedicar à escrita e à pesquisa para os livros. Escrever é um prazer, não uma obrigação. Então, é tranquilo.
Portal Revide - Escritores brasileiros sempre encontram dificuldades e não recebem o devido valor. Como é escrever uma trilogia como essa, em um país que valoriza mais a cultura estrangeira do que a nacional?
Cardoso Junior - Um desafio enorme. Já recebi inúmeros “não” de grupos reconhecidos, exatamente pelo fato de que, no Brasil, é muito raro o grupo editorial que arrisca investir uma somatória alta em um autor desconhecido. Felizmente, eu consigo ver isso apenas como um reflexo do mercado e não como uma deficiência da minha obra que tem tido críticas muito boas dos leitores que tiveram acesso a ela. Mas, o lançamento independente é um investimento grande o qual não consigo bancar, então o famoso “boca a boca” tem sido a minha maior vitrine. Espero que com o tempo ele aumente de maneira mais agressiva e a história possa chegar a cada vez mais pessoas, e o lançamento independente tenha sido um passo para o lançamento nacional, por um grande selo.
Portal Revide - Como financia seus livros?
Cardoso Junior - Financiei o primeiro “Vigor” usando recursos próprios e mesmo que não tenha gerado grande lucro, não fiquei endividado. Contudo, o lançamento do segundo volume consumiria uma somatória maior (o livro tem quase 700 páginas), a qual não posso arriscar atualmente, então seria ótimo conseguir um lançamento sem contrapartida financeira, ou se aparecesse um patrocinador. Mas vivemos numa realidade onde a cultura ainda é pouco creditada. Ainda mais a literatura nacional. No Brasil, se você já é famoso, independente do motivo, é muito mais fácil ver um livro com seu nome na vitrine das grandes redes de livrarias. A qualidade está em segundo plano. É muita grana na jogada para que as editoras corram o risco de ter um título encalhado. Por isso vemos tantos livros de estrangeiros. São títulos já testados lá fora, que, teoricamente, já agradaram um público “X” e tem maiores chances de agradar aqui também. Eu corro contra a maré, e espero um dia ser reconhecido por isso.
Portal Revide - As pessoas te cobram pelo segundo volume da trilogia?
Cardoso Junior - Felizmente sim. Os feedbacks dos leitores têm sido muito positivos e todos querem saber sobre a continuação. Eu tomei o cuidado de escrever um primeiro volume que fecha um arco narrativo, mesmo deixando arestas, pois não sabia quando, ou se, o segundo seria lançado. Contudo, a saga de Adhonai e Hock Time parece ter agradado aos leitores que estão curiosos para desvendar mais mistérios sobre a Terra-dos-sem-fim.
Portal Revide - O que elas podem esperar dele?
O Volume II é mais tenso que o primeiro e tem grandes revelações e reviravoltas. A história principal foi pensada em camadas. O Volume I apenas arranhou a superfície desse universo e o segundo livro vai aprofundar tudo, abrindo caminho para um desfecho, digamos, grandioso e talvez inesperado. Mas isso é tudo que posso revelar agora.
Portal Revide - Você pretende continuar escrevendo?
Cardoso Junior - Com toda certeza. Escrever é o que mais amo fazer. Seja literatura ou cinema, a escrita é a minha melhor forma de expressão. É através da palavra que eu consigo demonstrar quem realmente sou e isso é muito gratificante. Mesmo que jamais chegue a ter fama e reconhecimento nacional, jamais irei parar de escrever, pois é isso que me mantém vivo. É como o ar. Não há maneira de viver sem ele.
Fotos: Acervo pessoal
