A operação que não terminou
O jornalista Cristiano Pavini com o livro “Sevandija...”, que reproduz bastidores da operação Sevandija

A operação que não terminou

A Sevandija, que apurou corrupção política em Ribeirão Preto e há dois anos aguarda decisões da Justiça brasileira, vira livro pelas mãos do jornalista Cristiano Pavini

O lançamento do livro “Sevandija: a história da operação contra corrupção que estremeceu uma das maiores cidades brasileiras”, pelo jornalista Cristiano Pavini, fez mais do que recuperar a memória sobre o maior escândalo de corrupção investigada em Ribeirão Preto. Também chamou a atenção para os riscos que acarreta a morosidade da Justiça brasileira para deliberar sobre esse tipo de operação. No caso da Sevandija, cujo processo segue parado há dois anos nos tribunais superiores, o maior risco, segundo Pavini, é o de impunidade pela prescrição de penas, mas também pode haver acusados passíveis de serem inocentados que seguem com os bens bloqueados indefinidamente. Além disso, os cofres públicos poderiam já estar sendo ressarcidos pelos recursos que, segundo a acusação, foram desviados pelos réus.

 

Nomeada Sevandija pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público Estadual, em referência a um parasita, a operação foi deflagrada em 1º de setembro de 2016, com a prisão de 11 pessoas, suspensão de nove mandatos de vereadores em exercício à época e cumprimento de 13 mandatos de prisão temporária, 17 de condução coercitiva e outros 48 de busca e apreensão. Condenada em primeira instância a 18 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime fechado, a prefeita Dárcy Vera cumpriu dois anos e seis meses antes de ser solta, em dezembro de 2019, por determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

 

Hoje editor-chefe do portal de jornalismo Farolete e coordenador de projetos da organização social Transparência Brasil, Pavini era repórter no jornal A Cidade na época da operação e ficou mais de um ano dedicado quase exclusivamente à cobertura da operação. Logo percebeu o potencial da história para virar livro. Na entrevista a seguir ele conta detalhes sobre esse processo:

 

Como foi cobrir a operação Sevandija para um jornal diário à época?

Até conto no prefácio do livro um pouco desses bastidores. Foram dias muito intensos, porque inicialmente eu não estava escalado naquele dia para trabalhar na Sevandija. Estava fazendo sabatina de candidatos a prefeito, pois estávamos às vésperas da eleição quando a Sevandija foi deflagrada. Uma equipe foi direcionada para fazer essa cobertura e eu queria muito participar. Já previ que seria um marco para a cidade e naquele dia consegui, após horas e horas de apuração, descobrir que a prefeita Darcy Vera tinha sido alvo de um pedido de prisão negado pelo Tribunal de Justiça. Foi aí que eu entrei na Sevandija e fiquei praticamente dedicada a ela por mais de um ano. Então, minha função no jornal passou a ser quase exclusivamente acompanhar a Sevandija. Foi por isso que eu coletei uma série de subsídios que já seriam a semente do livro. Então, lá atrás, quando vi a grandiosidade daquela operação e as várias ramificações dela, já entendi que poderia se desdobrar em uma obra, isso lá em 2016, 2017, o que de fato acabou acontecendo. Ao mesmo tempo, foram dias bem emocionantes e desgastantes. A gente foi o primeiro a publicar as icônicas cédulas de R$ 2 [nas quais eram escritos nomes de políticos locais], do empresário Marcelo Plastino. Quando descobri, saí da redação só às 3h da madrugada. Estava eu, o diagramador e o editor chefe. Porque eu descobri que essa apreensão das cédulas seria por volta das 19h da noite. Até sentar, analisar o material, ouvir os outros lados e escrever... a gente publicou acho que quatro ou cinco páginas naquela edição seguinte. Aí, no dia seguinte tinha mais operação para analisar, ver a repercussão daquilo, etc.

 

Quais foram as maiores dificuldades no processo de apuração?

Teve um peso muito grande, porque a gente sabia que eram conteúdos que teriam influência política. O jornal, é claro, adotou uma linha totalmente isenta politicamente na cobertura, mas a gente sabia que teria grande repercussão política, que causa todo um desgaste emocional e nos obriga a redobrar os cuidados para não prejudicar ninguém ou ser injusto. Então a grande dificuldade foi a busca por esse equilíbrio.

 

Quando teve a ideia e quando iniciou a pesquisa para o livro? E quanto tempo levou?

O livro eu comecei a fazer em 2017 já. Escrevi o primeiro capítulo, uma prévia, em 2017. Depois disso, o projeto ficou praticamente três anos parado. Em 2020 eu retomo a partir das conversas com o grupo EP e aí fico dois anos fazendo um novo processo de apuração e escrita. Foi um processo bem árduo, porque reli dezenas de milhares de páginas de processos judiciais, escutei horas e horas de interceptações telefônicas, conversei com mais de 50 pessoas, enfim, tudo isso para conseguir retratar fielmente as cenas, porque eu estou utilizando esse gênero do jornalismo, que é o literário. Então eu conto uma história de uma forma movimentada, como se fosse um livro de ficção, porém com fatos verídicos. E para detalhar, por exemplo, qual era a roupa de um personagem, eu tinha que ter fotos e vídeos para reconstituir cenas idênticas, e conversar com pessoas que participaram daquela cena ou daquela reunião, por exemplo. Então, foi um trabalho bem árduo esses dois anos, e o livro fica praticamente concluído ao final de 2022. Porém, naquele mesmo ano, o Supremo Tribunal de Justiça considera ilegais as interceptações telefônicas da Sevandija e essa decisão vai para o Supremo Tribunal Federal. Aí eu fico aguardando uma decisão do Supremo por dois anos, que não vem. Aí a gente publicou com um capítulo em aberto sobre essa decisão.

 

Pessoalmente, acha que a Operação Sevandija teve o melhor desfecho até o momento?

Sobre a operação Sevandija, acredito que, sem entrar no mérito da questão judicial, os fatos permanecem. Então os fatos que a Sevandija trouxe à tona, por qualquer que seja o desfecho, eles vão permanecer. Então havia, sim, corrupção na Prefeitura e havia mau uso dos recursos públicos. Isso, obviamente, impactou negativamente os serviços prestados à sociedade. Então isso está muito bem amparado documentalmente pela operação. A questão é a participação de cada um dos acusados e o nível de comprometimento penal de cada um. Essas são questões que não cabe adentrar aqui, tampouco as questões do processo, se ocorreram legalidades ou ilegalidades nesse período. O que é muito ruim é a morosidade dos tribunais superiores em deliberar sobre a operação, porque, enquanto está paralisada já tem mais de dois anos, você tem a prescrição da pena contando. Então há um risco da impunidade pela prescrição de penas. Há também acusados que poderiam estar sendo, se não inocentados, mas com o processo extinto, que estão com os bens bloqueados e tudo o mais. E também por outro lado, você tem os cofres públicos que poderiam já estar recebendo recursos que, segundo a acusação, foram desviados pelos réus. Então você tem todo mundo prejudicado com essa paralisação. O melhor desfecho para a Sevandija é ela de fato terminar. É algo que está muito nebuloso, mas é necessário colocar um ponto final nela, seja pela condenação, seja pela absolvição ou nulidade da operação. O que não pode é a gente ficar anos a fio aguardando uma deliberação enquanto todos os envolvidos ficam aguardando um desfecho que pode levar a impunidade pela prescrição.

 

Por fim, acha que esse tipo de jornalismo investigativo vai seguir resistindo às transformações pelas quais a profissão tem passado e aos novos perfis de profissionais que têm saído das faculdades de jornalismo?

O jornalismo é isso: você modifica realidades, que pode ser desde locais até a realidade de uma cidade. E acho que essa é a nobreza do jornalismo. Você vai ter inteligência artificial automatizando processos jornalísticos, principalmente de notícias, mas a reportagem só o jornalista consegue fazer. Um livro reportagem, então, apenas esse profissional gabaritado. Então entendo que esse jornalismo, que não é para consumo imediato, que traz várias nuances, investigação, fatos novos, vai sobreviver. Aquele que é o corriqueiro, básico, felizmente ou infelizmente, vai, em dado momento, ou perder o interesse da população, que terá outros meios de se informar, ou vai ser substituído por processos automatizados. Para mim, jornalismo é trazer fatos relevantes à tona, evidenciando-os e contextualizando-os, por meio, inclusive, de investigação. Então você traz esses fatos visando a transformação de realidades. Isso pode ser desde uma realidade de um buraco em um bairro, em uma via pública, até você modificar uma política pública.

 

SERVIÇO
Sevandija – A história da operação contra corrupção que estremeceu uma das maiores cidades brasileiras, de Cristiano Pavini (Editora Terra da Gente)
Tiragem: 1.000 exemplares
Preço: R$ 70
Páginas: 424

 


Divulgação

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