Potterheads, presente!
O jornalista Werlon Cesar contaminou a irmã Anabella, universitária, com a paixão pela saga

Potterheads, presente!

Geração que cresceu com livros e filmes da saga ‘Harry Potter’ bomba bilheterias de reexibição do título mais elogiado da série cinematográfica

Quando o jornalista Werlon Cesar Cruz Júnior, 30 anos, encarou uma sessão de cinema tarde da noite para assistir à reexibição de “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”, no último dia 4 de junho, sentiu-se em casa assim que adentrou a sala de projeção. A sensação de se reconhecer no perfil da maioria ali foi como reencontrar “sua tribo” após muito tempo: “Só tinha 30+ ali”, comenta. Neste sábado, 29, quando ocorre um repeteco da reexibição, será a vez do gestor de Recursos Humanos e professor de inglês Tharik Rafael, 29, reencontrar a tribo Potterhead (“Potter na cabeça” ou “cabeça Potter” em tradução livre) – como são chamados os fãs da saga dedicada ao bruxinho inglês. “Pretendo ir!”, promete-se o atarefado profissional, que lamenta ter perdido a primeira.

 

Tharik só terá uma segunda oportunidade devido ao desempenho de público da reexibição de 4 de junho, que teve a maior abertura de pré-venda de ingressos de cinema do Brasil em 2024 – 105 mil vendidos somente no primeiro dia, segundo o perfil Portal Box Office – e salas lotadas por todo o país. A iniciativa de uma rede nacional de cinemas celebra os 20 anos de lançamento de “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”, adaptado do terceiro livro da saga literária. Com direção assinada pelo premiado diretor mexicano Alfonso Cuarón, o filme não foi o maior sucesso de bilheteria da franquia cinematográfica, mas permanece como a mais elogiada por público e crítica.

 

Para a designer gráfica Beatriz De Paula Diniz, 30, que foi caracterizada como personagem da obra à reexibição, só faltou a placa identificando a entrada da sala de cinema como Plataforma 9 ¾ – ponto de embarque no Expresso Hogwarts, que na obra leva os alunos ao castelo-escola. Porque para ela foi mesmo como embarcar numa viagem para revisitar o maravilhoso universo fantasioso criado pela britânica J.K. Rowling. E nada como a tela grande do cinema para garantir a qualidade da imersão.

 

Bia – como é mais conhecida – foi apresentada ao universo de Harry Potter* [leia sobre a obra ao final deste texto] pelos filmes, mas não se apaixonou de primeira. Ficou um pouco mais interessada quando passou a jogar o videogame da saga no Playstation 1, mas nem assim pensou em ler os livros. Foi por volta de seus 13 anos de idade, quando já havia assistido até o quinto filme, que sua tia apareceu com os volumes da saga emprestados por sua patroa. “Ela lia e me emprestava. Na hora que eu comecei... Nossa! Foi muito da hora! Foi como comecei a querer saber mais e a comprar coisas, tipo figurinha, camiseta... Assisti aos filmes várias vezes depois e passei a esperar pelos livros e filmes seguintes. Com o tempo comecei a fazer cosplay [caracterizar-se como um personagem da ficção] da Hermione e a ir em eventos da saga, onde comprava os itens colecionáveis”, conta.

 

Crescendo junto

Não por acaso a maioria dos entrevistados para esta reportagem está na casa dos 30 anos. Trata-se da geração que mais sente ter crescido junto com o bruxinho da ficção, pois tinha a mesma idade que o personagem ao ler os primeiros livros. O que revela o sucesso da maior sacada estratégica da autora: dedicar um livro a cada ano do protagonista passado na escola de bruxaria Hogwarts – cenário da maior parte das aventuras narradas na obra. Cada um dos sete volumes era lançado separadamente, a intervalos mais ou menos iguais de tempo entre um e outro, dando ao leitor a sensação de vivenciar o mesmo amadurecimento que a autora descrevia nos personagens a cada livro.

 

Werlon Cesar confirma a identificação por essa via: “Especificamente ‘...O Prisioneiro de Azkaban’ mostra uma transição que a minha geração também estava fazendo na época. Foi um divisor de águas para mim por conta da fase em que eu estava, começando a pôr o pezinho na adolescência, igual aos personagens. Eles estavam com 13 anos e eu estava também não muito longe dessa idade”, lembra.

 

O jornalista teve o primeiro contato com a obra através do cinema. Assistiu aos dois primeiros filmes com 7 e 8 anos. Aos 11, pediu que a mãe o levasse à biblioteca para pegar o primeiro da saga Harry Potter. “Na hora em que viu o volume, minha mãe virou pra mim e disse: ‘É grande’, duvidando que eu ia dar conta. Falei: ‘Não importa... vou ler!’. Comecei e devorei!”, conta. Recorda ainda que “... o Prisioneiro de Azkaban” entrou em cartaz nos cinemas poucos meses após ele ter concluído a leitura do livro. De cara, achou a adaptação mais fiel à história original até ali. “Também fiquei encantado pelo visual do filme! Eu era muito pequeno para entender tecnicamente a fotografia, mas tenho uma memória viva de falar: ‘que filme bonito!’”, diz.

 

Mesmo criança, Werlon soube enxergar as diferenças daquela terceira adaptação em relação às anteriores. “Os outros dois filmes se passavam mais dentro do castelo e ponto. Já esse terceiro explorava as áreas externas de Hogwarts, Hogsmead [vila próxima ao castelo], a visão do Expresso Hogwarts cruzando as montanhas, o caminho para a casa do Hagrid [amigo gigante dos protagonistas], o Noitibus [ônibus para bruxos], que explora o bairro dos Dursley [família adotiva de Harry]. Por isso acho que esse filme ficou mais na minha cabeça do ponto de vista de memória visual”, acrescenta.

 

Também em Tharik [na foto à esquerda], que assistiu aos primeiros três filmes com 8 e 9 anos, “...o Prisioneiro de Azkaban” marcou. “É um dos meus favoritos até hoje. Agora eu entendo até melhor o porquê. Foi uma virada de chave para os personagens. Ali eles já não são mais crianças, mas também não são adultos. São adolescentes entrando em contato com sua rebeldia. E eu me identificava com aquela rebeldia do Harry”, recorda o professor.

 

Incentivo à leitura

A paixão pela saga foi responsável por uma turbinada no hábito de leitura dos entrevistados para esta reportagem. No caso da designer Beatriz Diniz, foi a porta de entrada para toda e qualquer leitura que veio a seguir. “Antes eu não gostava de ler, mas depois que iniciei os livros da série passei a pegar outros títulos na biblioteca. Comecei a ter um gosto pela leitura que eu não tinha, e isso abriu minha imaginação e me levou para outros mundos”, lembra.

 

Werlon e Tharik já liam antes de adentrar o universo mágico de J.K. Rowling, mas só livros infantis “fininhos” – no caso do segundo, também gibis. Para ambos, o “start” para a leitura dos volumes da saga ocorreu após assistirem aos três primeiros filmes, o que para Werlon foi um pouco mais cedo, aos 11 anos (mesma idade de Harry no primeiro livro); para Tharik foi aos 13. E como os livros trazem uma gama muito maior e rica de aventuras e detalhes, foram a “virada de chave” deles para se tornarem potterheads de carteirinha.

 

“A partir dali passei a ficar na ansiedade à espera dos livros e filmes seguintes. Queria devorar toda a saga. Passei a acompanhar tudo o que saía de notícia a respeito. Batia ponto em banca de jornal para comprar revistas, à procura informações específicas: quando ia lançar o próximo livro, quem ia dirigir o próximo filme, etc”, narra Werlon. Para Tharik, a obra fortaleceu a atração que já tinha por leitura. “Fez com que eu saísse daqueles livros mais finos, dos contos, e fosse para histórias mais longas, romances mesmo. Contribuiu para eu perder o medo de livro grande, o que provavelmente ocorreria bem mais tarde na minha vida se não fosse a saga”, declara.

 

Fosse pela alta demanda, pela grossura de cada exemplar ou por ambos, cada livro da saga era considerado caro para os padrões editoriais da época, por isso nem todos os compravam se pudessem pegar em bibliotecas, que davam prazos pequenos para devolução devido à grande procura. Por isso, Werlon sempre colocava seu nome na lista de espera da biblioteca que frequentava com bastante antecedência. “Eu era sempre, tipo, o segundo na lista”, lembra divertido. Mas ele sempre conseguia entregar no prazo, e sua irmã Anabella esclarece o porquê. “Desde muito pequena eu tinha curiosidade de entender o que ele estava lendo, porque se trancava no quarto e ninguém podia falar com ele. Ficava horas, horas e horas lendo”, lembra ela, que foi sendo introduzida à obra pelo irmão através dos filmes.

 

“Conheço o universo Harry Potter desde que me conheço por gente porque o Werlon já era assim quando eu nasci [risos]. Tendo um fanático na família, não tive escolha senão virar fã também”, brinca Anabella, antes de completar: “Mas eu amei Harry Potter à primeira vista”.

 

Pontos de atração

Para os potterheads, o que primeiro conquista na obra de J.K. Rowling é a riqueza do universo mágico criado pela autora, que buscou inspiração em diferentes fontes de saber – filosofia, cultura greco-romana, folclores de diferentes países – para criá-lo. E o fez com toques de genialidade. Mas, à medida que foram crescendo junto com a obra, nossos entrevistados iam encontrando mensagens e ensinamentos ocultos nas aventuras dos amigos bruxinhos. “Eu acho que uma das coisas que me pegou foi a amizade dos três protagonistas. A questão do amor, que é sempre falada nos livros. Foi o amor que salvou o Harry do Voldemort na primeira vez, né? As histórias por trás da principal também são muito incríveis! E quem nunca quis estudar em Hogwarts, né?”, comenta Bia [na foto, fazendo cosplay da personagem Hermione].

 

Werlon pontua que o ótimo texto da autora atiçava sua imaginação fértil. “Você vai lendo e realmente consegue criar o filme na cabeça. Eu acho que isso ajudou bastante”. Sobre a influência da obra em sua história pessoal, diz que alimentou nele bons princípios – que já aprendia no ambiente familiar –, com exemplos de lealdade, amizade, do fazer a coisa certa por mais difícil que fosse, além de criar identificação com questões de pertencimento, por exemplo, entre outras. “Isso tudo, quando a gente é criança, querendo ou não são mensagens que ficam na cabeça. Então tenho um carinho muito especial pela saga por conta disso”, diz.

 

Para Tharik, a obra ensina a ser um bom amigo. “Trabalha muito aspecto da amizade. Isso e outras coisas que eu acho muito bonitas. É uma história linda em todos os aspectos”, diz. Já o motivo de ainda cultuá-la mesmo depois de crescido, tem mais a ver com camadas da obra que ele só conseguiu acessar mais amadurecido. “Agora eu olho para os problemas mais sociais, aquelas questões mais densas abordadas principalmente nos últimos livros e filmes – discriminação, preconceito racial, autoritarismo, entre outras. Você entende também um pouco mais da história dos antagonistas. Isso é o que me fascina mais no universo HP hoje em dia”, declara.

 

Motivos como esses garantem a longevidade da nação Potterhead, que cresceu amando a fantasia e hoje segue admirando também os subtextos da obra, razão pela qual mesmo os fãs adultos continuam revisitando-a. “Eu mesmo continuei reassistindo tudo com novos olhares. Eu cresci dentro daquela obra. Cresci na saga, cresci nos livros, cresci na história. E sou grato por isso”, conclui Tharik.

 

FÃ QUE SE PREZE TEM ÍTENS COLECIONÁVEIS
O sucesso da saga literária e da franquia cinematográfica criou um verdadeiro mercado para itens colecionáveis da saga em todo o mundo. E potterhead que se preze tem pelo menos alguns. Dos três “trintões” que entrevistamos, Beatriz é a que mantém a maior coleção, que inclui itens cujos nomes só potterheads reconhecerão: Chapéu Seletor, versões em pelúcia da fênix Fawkes e da coruja Edwirges, um viratempo, um relógio em formato de “Relíquias da Morte”, uma réplica de vaso de mandrágora, outra do Medalhão de Slytherin, além de fitas cassete, DVDs, revistas, posters – até hoje afixados nas paredes do seu quarto – almofadas, roupas e jogo de cama personalizados, entre muitos outros.
A de Werlon Cesar vem em segundo, incluindo um viratempo, o Mapa do Maroto – “o original lançado pela Warner”, valoriza ele –, pelúcias, revistas e posters. “Algumas coisas estão encaixotadas, outras guardadas. Também sou viciado em Potter Legacy, o videogame da obra, que maratono. E está nos meus planos de futuro visitar o parque temático de Harry Potter, em Orlando”, afirma o jornalista.
Tharik tinha muita coisa, mas foi se desfazendo de algumas quando começou a morar sozinho, mas mantém algumas na casa dos pais, em Santa Rita do Passa Quatro. Entre elas, o Jogo de Xadrez Bruxo. “Ele tem uma varinha toda emperequetada, que quando você encosta na peça de metal vai empurrando-a, porque tem uma imãzinho na ponta. É sensacional!”, entusiasma-se ainda. “O tabuleiro é gigantão e as peças desmontam quando são ‘comidas’ por uma do adversário, igualzinho no [segundo] filme, em que as peças se digladiam”. E claro que Tharik manteve também o viratempo, que parece ser o item em comum dos potterheads colecionadores e – coincidência ou não – tem importância crucial em “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”.
 

* SOBRE A OBRA
Sucesso absoluto de público e crítica na literatura e no cinema, a saga do bruxinho Harry Potter é composta por sete livros – “Harry Potter e a Pedra Filosofal” (lançado em 1997 no Brasil), “Harry Potter e a Câmara Secreta” (1998), “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” (1999), “Harry Potter e a Câmara Secreta” (2000), “Harry Potter e a Ordem da Fênix” (2003), “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” (2005) e “Harry Potter e as Relíquias da Morte” (2007). Todos foram todos adaptados para o cinema – o último rendeu dois filmes (partes 1 e 2) – e estão prestes a ser retratados em formato de série.
A obra ainda deu origem a outras da mesma autora inspirada no universo HP. Incluem a peça de teatro sequel (gíria que designa sequência da obra original) “A Criança Amaldiçoada”, sucesso de bilheteria na Broadway; os filmes prequel (obra situada em um tempo anterior ao da original) da série “Animais Fantásticos”; e livros spin-off (derivados da original que expandem ainda mais o universo de uma obra), como “Beedle, O Bardo”, “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, “Quadribol Através dos Séculos”, entre outros.
A saga original retrata a trajetória de um órfão excluído dentro da própria família que o adotou, desde o momento em que ele se descobre bruxo, aos 11 anos de idade, até os 18. Logo no primeiro ano, Harry conhece aqueles que serão seus amigos da vida toda e passa a protagonizar com eles aventuras pelo mundo bruxo. Ao mesmo tempo, os três amigos passam por todos os ritos de passagem da infância para a adolescência, que já é, em si, um longo rito de passagem para a vida adulta.


Luan Porto

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