Em compasso de espera

Em compasso de espera

De acordo com o economista Luciano Nakabashi, somente depois dos primeiros meses do novo governo será possível avaliar a capacidade de reação da economia brasileira

Ainda é muito difícil prever como será o desempenho da economia brasileira em 2019. Esta é a opinião de Luciano Nakabashi, mestre em Desenvolvimento econômico pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Teoria Econômica pela Universidade Federal de Minas Gerais. Na sua avaliação, o país ainda aguarda os primeiros movimentos do novo governo, liderado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), sendo que a aprovação das reformas — com destaque para a Previdenciária e a Tributária — terão papel crucial na definição do ritmo de uma possível recuperação. Desde 2011, o economista, formado pela Unicamp, integra o corpo docente da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto (FEA-RP), da Universidade de São Paulo (USP).

Qual é a sua análise da economia brasileira nos últimos anos?

O país viveu um momento bastante delicado. A crise verificada recentemente deveu-se, principalmente, a uma série medidas econômicas adotadas equivocadamente a partir do segundo mandato do Governo Lula, acentuadas no Governo de Dilma Rousseff. Um desses erros foi, certamente, adiar diversas reformas capazes de corrigir desequilíbrios econômicos que surgem naturalmente com a passagem do tempo. A equipe econômica daquele momento fez um diagnóstico que não se comprovou verdadeiro: durante o segundo mandato de Lula, optou-se por continuar aumentando os gastos públicos para gerar crescimento econômico. Por muito tempo, houve concessões de crédito, isenções fiscais, entre outras medidas, acentuadas durante a gestão da sucessora do ex-presidente. A manutenção dessas escolhas agravaram os problemas e levaram a uma crise de grandes proporções. Em 2014, no último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff, a economia ficou praticamente estagnada e o ano fechou em recessão. Já 2015 e 2016 foram anos muito duros, com queda de 7% do PIB, na somatória do período. No cenário internacional, a queda no preço das commodities, ocorrida mais ou menos nesse período, ajudou a piorar a situação brasileira, aprofundando a recessão econômica. O déficit primário — diferença entre aquilo que o Governo arrecada e gasta —acabaram se tornando marcas desse mau momento.

Em que período a situação começou a ser revertida?

A equipe econômica que integrou o início do segundo mandato de Dilma demonstrou disposição para tentar reverter a situação, mas não parece ter encontrado muito espaço para isso. Joaquim Levy e seu time se esforçaram para recolocar a economia brasileira nos trilhos e tomaram medidas importantes, como a liberação de alguns preços até então congelados e o fim do controle artificial do câmbio, como medida para segurar a inflação. Mais adiante, o ex-presidente Michel Temer quis dar continuidade a essa mudança. Com Henrique Meirelles na liderança, procurou-se desfazer mais alguns nós e as reformas voltaram a fazer parte do discurso corrente. Houve, também, por um período, um controle maior dos gastos públicos, mas os avanços pararam mais uma vez graças a escândalos políticos, como o caso envolvendo o ex-presidente e a JBS. O cenário, então, voltou a ficar desfavorável e o otimismo — que era crescente — deu lugar, novamente, à insegurança. 

Ainda incerta, expectativa de crescimento para 2019 pode ser de cerca de 2,5%Como o país encerrou 2018?

Voltando um pouco mais o relógio, em 2017, em função desses primeiros esforços de recuperação, foi possível verificar a retomada do crescimento do PIB, que avançou 1%. O índice averiguado no fim do ciclo ficou bem distante do que previam os especialistas no início daquele ano, que era um crescimento de 3% do PIB — uma vez que, naquele momento, havia um processo de queda de juros muito forte e a inflação estava controlada. Já no ano passado, houve uma perda importante de força política antes do final do primeiro semestre, que influenciou significativamente a continuidade da recuperação econômica. Somado à fragilidade do Governo, em maio, a greve dos caminhoneiros comprometeu ainda mais esse resgate da economia. Poucos meses depois, as eleições dominaram a cena e a indefinição do cenário emperrou os avanços novamente. Já no segundo turno, a dúvida era em torno de Fernando Haddad e o retorno do PT — que gerou, por parte do empresariado, uma incerteza muito grande — ou a ascensão de Jair Bolsonaro — político de baixa expressão, especialmente, no que diz respeito à economia. Mesmo depois da vitória de Bolsonaro, o horizonte ainda não ficou totalmente definido, porque há muitas dúvidas sobre sua habilidade política como condutor das indispensáveis reformas. Afinal, o novo presidente tem uma longa carreira política, mas nunca foi um deputado de grande expressão. Diria que os melhores candidatos para o mercado brasileiro nas últimas eleições ficaram no primeiro turno.

Ter um novo cenário político já definido trouxe algum reflexo prático para a economia brasileira  dos últimos meses?

Acredito que tenha reduzido um pouco a incerteza, mas não totalmente. Isso porque, diferente das pretensões de outros candidatos, que já ocuparam cargos executivos ou possuíam conhecida experiência administrativa, Bolsonaro ainda não mostrou suas capacidades nesse sentido. O que se pode afirmar é que a equipe econômica por ele estruturada é muito bem preparada. A certeza que falta é se esse time encontrará apoio político para realizar aquilo que precisa ser feito na direção de uma rota de crescimento mais significativa.

Quais reformas devem ser prioridade do novo governo?

Sem dúvida, a mais urgente delas é a reforma da Previdência, uma vez que esta área representa a maior fatia dos gastos públicos, que, por sua vez, precisa de controle. Hoje, os custos previdenciários representam mais ou menos 13% do PIB, sem contar juros. Isso é muito, ainda mais se considerarmos que o Brasil é um país jovem, o que significa que a tendência é piorar. Se a reforma não acontecer, em 10 anos, os gastos com Previdência vão aumentar mais 2% do PIB. De algum lugar, esse recurso terá que sair: ou os impostos precisarão ser elevados ou outros gastos, como com saúde e educação, terão que cair. Além disso, a reforma da Previdência é essencial, também, por uma questão de justiça social. Esse sistema acentua a desigualdade de renda no Brasil, pois os maiores benefícios, geralmente, vão para os contribuintes que compõem a classe média alta. Pode-se afirmar, portanto, que a Previdência, como está estruturada atualmente, mantem as distorções sociais existentes no país.

Quais são as outras reformas necessárias?

Destacaria, entre elas, a reforma tributária, assim como em outras áreas que possam impactar positivamente a produtividade brasileira. No país, a produtividade no trabalho não avança há praticamente 40 anos.

Que caminhos seriam possíveis nesse sentido?

Em um primeiro momento, é preciso pensar em um sistema tributário que não comprometa a produção de itens de maior valor agregado. Também é importante simplificar a tributação no Brasil, que muda com muita frequência e demanda, por parte das empresas, de muito tempo e dinheiro — isso, só para entender e atender todas as exigências. Diria, ainda, que é preciso reduzir a burocracia por aqui, em todos os níveis, diminuindo a necessidade de tantas pessoas envolvidas nesses processos e reduzindo, por sua vez, os custos envolvidos nesta área, tanto dentro da própria máquina pública quanto dentro das empresas. Assim, em vez de contratar pessoas para lidar com a burocracia, esses recursos poderiam estar alocados em áreas relacionadas à produtividade. Voltando os olhos para o serviço público, defendo também uma nova formatação para a remuneração do servidor, de forma que ele tenha uma parte do seu salário atrelada ao desempenho.

De que maneira avalia os compromissos assumidos pelo time econômico do atual presidente ainda durante o período de transição?

A promoção da reforma da Previdência é um deles e, creio, ela não é exatamente uma opção, mas uma obrigação. Vale salientar que a população brasileira já está arcando com um enorme prejuízo em função do atraso dessa reforma. Não vai demorar muito para que a situação se torne totalmente insustentável e o próprio funcionalismo público deixe de receber sua aposentadoria. Em relação a esse assunto, a única questão que ainda não está totalmente definida é qual será o tamanho dessa reforma. Isso, sim, dependerá das habilidades específicas do novo presidente e de sua equipe. Diria que a reforma da Previdência precisa sair do papel ainda em 2019, e o quanto antes, pois se tornará cada vez mais complicada se demorar muito para acontecer. A equipe atual também vem mencionando a necessidade de se desenvolver um sistema de privatizações — afinal, o governo não deve atuar como “jogador” da economia, mas como seu juiz, dizendo quais são as regras desse jogo, verificando o cumprimento daquilo que foi estabelecido e punindo quem não segue as determinações. Esta é uma questão importante de ser discutida, mas também é impopular, por isso, ainda não está claro se poderá avançar, uma vez que não se conhece ao certo a habilidade política do novo presidente.

Segundo o economista, a reforma tributária deve tirar os entraves que comprometem a produção de alto valor agregadoDe quais outras medidas dependerá o bom desempenho econômico a partir de agora?

Para isso, o governo precisará manter seus fundamentos macroeconômicos robustos, o que significa uma dívida e inflação controladas e regras estáveis. Se isso acontecer, o empresário se sentirá mais seguro para investir e a economia crescerá. Existem muitas pessoas dispostas a investir no país, não só dentro do Brasil, mas também no exterior, apenas aguardando por um pouco mais de estabilidade no cenário político-econômico. Esse é o caminho mais eficaz para colocar o país de volta na rota do crescimento.

Quais são as perspectivas para este 2019?

Ainda é muito difícil afirmar o que acontecerá este ano, mas imagino que seremos capazes de atingir uma taxa de crescimento próxima dos 2,5%. Tudo depende, exatamente, desses primeiros meses de governo. Se as reformas andarem rapidamente e se for possível dar celeridade a outras questões que contribuam para a maior racionalidade da economia brasileira, a evolução vai acontecer sem muita demora. Nossa economia precisa acelerar o passo. 

Que setores são fundamentais para que seja possível apertar esse passo?

Não sou favorável à escolha deste ou daquele setor. Acredito que o melhor caminho é deixar as regras do jogo bem claras e dar condições de crescimento ao mercado. 

O cenário econômico internacional é favorável?

O cenário internacional não é tão promissor quanto já foi. A economia chinesa, por exemplo, está crescendo em um ritmo muito mais lento do que já cresceu e o cenário norte-americano tem gerado certa insegurança. Também se pode afirmar que a Europa ainda está patinando para atingir uma economia sustentável. Por esses e outros fatores, não creio que nosso bom desempenho virá do exterior, e acredito que sempre tenha sido assim: os países que fizeram a lição de casa conseguiram crescer independentemente do cenário externo. 

Luciano Nakabashi | Texto: Luiza Meirelles | Fotos: Roberto Galhardo

Compartilhar: