
Smarthphones: escolas, pais e autoridades perderam o bonde Quem proíbe, adora ser enganado
(Professor Luiz Cláudio Jubilato)
PUBLICADO EM 20 DE ABRIL DE 2020
(texto enorme - modificado)
Em outros artigos sobre educação, confessei minha aversão pelas palavras “oficina” e “plataforma”. Não creio em porcas, parafusos e roldanas, em formato de cérebro. Engrenagens me parecem o oposto de educação: a mecanização do ensino. Educar não significa “consertar” e sim “concertar”. “Plataforma” me passa a sensação de prisão ou rampa de onde se salta para o vazio, por vontade própria, não porque alguém empurrou. Educação exige muito mais que fincar os pés no chão, propõe “alçar voo”, “escarafunchar”, “procurar”, “descobrir”, “acolher”, “entregar-se”.
Há também duas frases às quais tenho aversão. A primeira: “No meu tempo era melhor”. Quem se propõe a propalar esse tipo de coisa, quer se apropriar da história. Vê o presente pelo retrovisor. Esse tipo de ser não sabe que a história não é propriedade de ninguém. Usá-la para embotar o raciocínio de um jovem, como se ele tivesse cometido o crime de lesa-velhice, aí sim é crime de lesa-aprendizagem. Vida é mutação, nunca estagnação. A segunda: “Precisamos dar limite às crianças”. Penso que a crise de criatividade que contamina a vida moderna, talvez se deva à concepção esdrúxula de “impor” limites a quem deveríamos estimular a romper com eles. Embotar a criatividade de uma criança, torná-la a imagem e semelhança dos pais é, no mínimo, obrigá-la a seguir a cultura familiar do aprisionamento do pensamento: alienados; algoritmos ambulantes.
Como diria o grande filósofo Mussum: “É aí que está o busílis”. Há pouco participei de um debate com pais e educadores sobre “O uso do smartfone em sala de aula”. Sempre fui favorável ao uso da tecnologia que força a escola a se reinventar. O que me assustou foi a frase repetida por vários participantes: “No nosso tempo era melhor, aluno copiava, respeitava o professor”. Falei em alto e bom som: Mentira. Só se Machado de Assis, Raul Pompeia, Monteiro Lobato e Lima Barreto são mentirosos. Mentira: Vejam o mundo que legamos aos nossos filhos?
Raivosos: “Precisamos dar limites aos filhos, muitos pais deixam eles (sic) pra lá”. O senhor fala essas coisas, porque não deve ter filhos. “Tenho – disse”. Eles terão a vida inteira para serem tolhidos e aprenderem a reagirem às mentalidades tacanhas. Ao invés de “limites”, não seria melhor criarmos estratégias para descobrir talentos? O uso do smartfone nos tornará intrépidos educadores? Claro que não. Mas, ele já sinaliza algumas questões a pensar: 1) Quais estratégias as escolas desenvolveram para usá-lo a seu favor? Aplicativos para aprimorar ou facilitar os estudos? 2) Por que insistimos em uma escola punitiva e não proativa, que nunca levou nem a ela, nem o aluno a lugar nenhum? Estudar para passar no vestibular é não para saber, essa é a toada que nos torna subdesenvolvidos intelectualmente.
As escolas estão a reboque da revolução tecnológica. A resistência a mudanças as torna “chatas”: 1) O celular se tornou a extensão do corpo e do cérebro, não há como mudar. Os próprios pais não mudam. O engraçado é que os debatedores consultavam seus celulares a todo instante. 2) A única forma de comandar uma revolução é penetrar no mundo do revolucionário. Quem proíbe gosta de ser engando. 3) A escola, tal como a conhecemos hoje, está extinta, somente as paredes continuam de pé. 4) O professor, dono e senhor do conhecimento, tem que repensar sua conduta. A bordo de um dedo, qualquer aluno checa facilmente quaisquer informações. 5) A escola “impositiva”, sustentada pelas paredes da sala de aula, “enenzada”, “conteudista”, “punitiva” está fadada a morrer.
Professores, que só têm como recursos os slides, os “powerpoint” têm a falsa ilusão de que mergulharam no mundo da tecnologia. Ilusão? Sim. A linguagem virtual tem outra dinâmica: simplificada, móvel, colorida, interativa, intuitiva. Sentar um jovem em frente a uma tela de computador, durante 1h, “assistindo” a uma aula tradicional, chega a ser bisonho, basta observar a linguagem dinâmica do Facebook e do Instagram. Há grandes desafios: Como usar a tecnologia a favor da escola de forma interativa, o aluno não pode ser mero espectador. Derrubemos as paredes da escola (é uma metáfora). Levemos o aluno para conhecer o mundo que ele não vê. A “plataforma”, tal como ela é usada hoje, resolve tudo para o aluno, usa cores e mais cores para “corrigir textos”, o aluno continua espectador.
A pandemia fez com que essas discussões ganhassem contornos ainda mais fortes. No debate, todos queriam trocar impressões sobre como será a escola pós-pandemia. Eu não. Queria propor impressões sobre a escola do agora, fomos pegos com as calças no chão. Precisamos ter em mente que coisas desse tipo ocorrerão com constância. E aí? Fomos obrigados que a pegar carona na calda do vírus, mais preocupados em dar uma rápida satisfação às famílias do que em se planejar para o futuro. O aluno teve que se valer da tecnologia. Desnorteados, simplesmente transferimos a escola presencial para as plataformas. E a didática, onde ficou? Pegou carona na calda do cometa.
A escola foi pega com as calças nas mãos por um vírus. Inimaginável? Sim. No Brasil, já ocorre em uma mesmice inquietante. Foi um ser microscópico que pôs a escola contra a parede. Mostrou o despreparo de educadores, para lidar com situações inusitadas. A sorte é que o viajante, sentado nas cadeiras, “enenzado”, “entupido de aulas”, “cheio de limites” só se preocupa com a quantidade de horas/aula nas apostilas. Os professores do ensino fundamental estão à beira de um colapso, tiveram que criar estratégias de “ensino” na marra. Mas, mantiveram o mesmo sistema estressante de horas/aula sem levar em conta que entupir o aluno de atividades só geraria mais estresse. Os pais adoraram a bolha. E quando acontecer de novo? Dançarão um tango? Cantarão um fado?
Alguns problemas precisam ser ponderados: 1) A grande maioria dos professores não foi capacitada para usar ferramentas virtuais, apenas reprisam aulas presenciais. 2) Alguns professores são “analfabetos digitais” e não querem sair da sua zona de conforto. 3) A escola perdeu o bonde da história. A história do smartphone, que contei acima, joga luzes sobre o hoje. “Não quero que meu filho use o celular na sala de aula, porque ele o distrai das atividades”. Como desculpa e vergonha, só uso o meu nas reuniões”. Mentira. “Meu filho fica o tempo todo no celular”. Verdade. Ambos são viciados em celular e não perceberam. Sofrem de Namofobia. O imediatismo dos pais contaminou os filhos, estimulou o “agorafobia”.
A pandemia fez com que os pais finalmente aprendessem a diferença entre educação e ensino, filho e aluno. O confinamento desafiou pais a criarem estratégias para manterem crianças atarefadas, professores a se desdobrarem para chegar até elas. A escola do presente precisa olhar para o umbigo, para não se perder, querendo, “a toque de caixa”, fazer o que nunca fez. Agora é hora de dialogar, construir uma “escola sem paredes”, inclusive sobre a falência da relação pais e filhos. As agressões físicas e verbais cresceram durante a pandemia: educar é muito diferente de ensinar.
Hoje, vi o comercial de que uma faculdade que convocava pessoas para se matricularem, porque dá aulas com o mesmo número de horas de uma universidade presencial. Mudei para outro canal.
Lembrem-se: “Quem proíbe, gosta de ser enganado”. Você sabe bem como funciona isso. Será que na Finlândia sabem?