
USP ACADEMY- 2025: JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL, DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Patrícia Pereira
Pertencer à terra, e não ser dono dela. No site do Bulletin of the Atomic Scientists, fundado em 1945 por Albert Einstein, J. Robert Oppenheimer e cientistas da Universidade de Chicago (que ajudaram a desenvolver as primeiras armas atômicas no Projeto Manhattan) podemos encontrar o Doomsday Clock. Esse relógio foi criado usando a metafísica escatológica cristã do “apocalipse” (meia-noite) e o idioma contemporâneo da “explosão nuclear” (contagem regressiva para zero) para transmitir as ameaças à humanidade e ao planeta. Segundo seus idealizadores, o Doomsday Clock indica o grau de vulnerabilidade a que o mundo está exposto frente a uma iminente catástrofe global, que seria decorrente de tecnologias feitas pela humanidade. Nove cientistas ganhadores do Nobel se reúnem ao Conselho de Ciência e Segurança do Bulletin para determinarem essa contagem. Em janeiro de 2025, esse intervalo foi corrigido para 89 segundos, ou seja, estamos a um minuto e vinte e nove segundos de experimentarmos uma grande e definitiva catástrofe global. Se a globalização é um termo que remete o discurso à área da economia, a adjetivação “global” ilustra a escala de ação que atingimos no século XXI em relação à apropriação e o uso da natureza; uma presença que ocupa toda dimensão do planeta e cujas consequências atingem indiscriminadamente todas as populações, independentemente de seu modo de vida; todos os biomas, independentemente de seus usos. 89 segundos para a destruição global de um planeta cuja maior parte dos habitantes nem o reconhece e nem o concebe dentro dos parâmetros científicos confirmados na foto feita em 1972 pelos astronautas da Apollo 17 (NASA). Também o apocalipse e a racionalidade moderna não validam todas as estruturas de sentido construídas por tantas culturas diversas. Contudo, as palavras “natureza” e “meio ambiente” foram sendo utilizadas em discursos que implicam uma responsabilidade coletiva e que pressupõem uma universalidade de preocupações. O meio que permite a cada um de nós estar vivo é desenhado pela cultura, e dá ao modo de habitar o tempo e o espaço o seu sentido, o seu significado. Ocupamos todos um lugar, um ambiente, se preferirem, mas como imaginar uma “questão ambiental” universal? Como imaginar sentidos unívocos para uma cosmovisão? O modelo imposto pela globalização atribui valores monetários à natureza. Ela obedece à ideia de fonte de recursos, considerada inesgotável desde muitos séculos. Suas riquezas são constantemente mensuradas, qualificadas. Tornam-se alvos de disputa, incrementam as ambições territoriais, alavancam os conflitos. Tic-tac. O etnocentrismo propagado pelos europeus e reproduzido pelas bases do modelo econômico atual impede que grande parte da humanidade se reconheça como natureza e na natureza. O dinheiro tem sido a única forma validada para comunicarmos nossos sonhos, nossos desejos, nossas necessidades e nossas escolhas. Que sonhos a educação pode engendrar em um mundo onde a única imagem que é permitida trata de homogeneizar pessoas, culturas, lugares? Que raízes a educação pode cultivar se não respeitamos as memórias e as práticas ancestrais de nossos povos, e as referências que fornecem sustentação para nossa identidade? A desqualificação de outras formas de episteme, o esvaziamento dos saberes e o silenciamento dos cantos e das línguas nos impede de multiplicar a vida, de reconhecer o outro como sujeito, bem como de celebrar a multiplicidade irredutível que é a natureza. Pertencer à terra, e não ser dono dela.